segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Bragança, 11 de outubro de 1753

Em julho, publiquei uma matéria sobre a constituição da histórica cidade de Bragança, uma dos locais mais privilegiados do Pará, por um conjunto de qualidades que a distinguem das demais cidades do Estado. Ainda temos um tempo ditado pela imaterialidade e uma definição de espaço ditada pelo consciente coletivo. Tipo o tempo da maré, ou o tempo da extinta estrada do trem. Vamos “lá embaixo” quer dizer na feira, e também “vamos subir”, subindo as praças, numa definição de cidade que segue em direção dos bairros mais afastados do centro. Costumes e culturas em comum até hoje, não só aqui, mas em vários lugares do Pará.

Se Bragança tem sua origem vinculada à presença dos franceses no controverso 08 de julho de 1613, aqui se desenvolveu uma população maciçamente portuguesa, com traços marcadamente coloniais, que firmaram sua dominação nesse lado da Amazônia a partir do século XVII, subjugando índios e introduzindo escravos já no século XVIII, numa conjunção de esforços que ligava a Coroa e os missionários jesuítas num determinado momento e que os afastou logo em seguida, pela falta de interesses comuns.

Devemos atentar para o fato de que desde o final do século XVII, o chamado Estado do Maranhão era formado por capitanias reais (Maranhão, Grão-Pará e Piauí) e por várias capitanias particulares (Tapuitapera, Caeté, Cametá e Ilha Grande de Joanes), que mantiveram diferenças quanto à sociedade, cultura e atividade econômica.

Álvaro de Souza, filho e sucessor de Gaspar, que erigiu a vila de Souza do Caeté foi incansável em tentar manter o controle da capitania para sua família, permitindo a fundação do aldeamento missionário de São João Batista, quando os padres aldearam os índios tupinambás daqui. Álvaro conseguiu de Felipe IV da Espanha a posse definitiva do território onde hoje é Bragança. Assim, imediatamente ele fundou a Vila Souza do Caeté, hoje Vila-que-era, ao lado direito do rio Caeté, que tinha diversas dificuldades de acesso e comunicação com a capital do Estado, mas com uma possibilidade de intercessão muito grande com o Maranhão.

Cito parte do que escrevi em julho:

“Em 1750, Manoel Antônio de Souza e Melo requereu do Rei D. João V, em carta de 12 de março de 1750, ajuda para administrar a Capitania do Caité, com mão-de-obra de índios, ajuda na coleta de sal, além de solicitar condições como legítimo filho e herdeiro de José de Souza e Melo, chamado de Porteiro-Mor. Com o falecimento do rei em 1750, assume o trono D. José I. Sebastião José de Carvalho e Melo foi nomeado como Secretário de Estado e em 1751, o irmão de Sebastião Carvalho foi nomeado Governador do Estado do Grão-Pará e Maranhão. Era Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Tais autoridades tornaram-se referências especiais para os estudos acerca do projeto de consolidação do que era o estado do Grão-Pará a partir do território de Caité e a Vila de Bragança”.

Contrário ao pedido de Manoel Antônio de Souza, o rei D. José I decidiu retirar dele os direitos sobre a área da capitania pelo decreto de 14 de junho de 1753, o que incorporou todo o território á Coroa de Portugal, pondo fim à história da Capitania do Cayté (ou Caité, ou ainda Cahité, como achamos escrito em vários documentos), que passou a pertencer novamente ao Pará. Vários motivos levaram a essa decisão, como a falta de mão-de-obra indígena aos colonos, com muitos desentendimentos entre os colonos e indígenas, como a sublevação de 1741 na capitania do Caeté, quando os moradores fizeram um motim conspiratório, expulsando dois padres jesuítas da aldeia de São João Batista, de cujo episódio o próprio rei D. João V recebeu notícia em carta de 22 de outubro de 1742, do governador João de Abreu de Castelo Branco.

Assim, em 1751, Mendonça Furtado fez um levantamento das condições e das comunidades existentes nessa região para determinar onde se estabeleceria novos núcleos urbanos, de acordo com o projeto do Marquês de Pombal, seu irmão. Desta forma, em 11 de outubro de 1753, através de uma carta ao rei D. José I, o governador escolheu a Vila de Souza do Caeté como local para a implantação desse projeto o projeto como uma primeira vila oficial, sugerindo pela primeira vez a posse da capitania e a fundação da Vila de Bragança, a primeira vez que esse nome aparece nos documentos referindo à cidade atual de Bragança, em homenagem à família real da época.

Nessa mesma carta, Furtado indica providências para a instalação de casais vindos das ilhas dos Açores a fim de povoarem a nova vila. Já existia, entretanto, um aldeamento indígena que conforme o documento sustentaria as relações de trabalho suplementar para a agricultura e transporte (terrestre e fluvial) de produtos da lavoura para Belém. Uma escola de língua portuguesa também foi criada para facilitar o contato e a comunicação entre portugueses e indígenas.

Diz o documento:

“Sendo Vossa Majestade servido ordenar pelo seu Conselho Ultramarino que eu fosse distribuindo a gente que aqui se achava das Ilhas pelos sítios que me parecessem mais proporcionados em que podem trabalhar com mais gosto em terra própria e sendo Vossa Majestade servido ao mesmo tempo mandar-me avisar pela sua Secretaria de Estado de que tomara a sólida e importantíssima resolução de incorporar na Coroa as terras que neste Estado pertenciam a alguns donatários, me pareceu que não devia perder tempo em povoar as poucas palhoças que até agora se conhecia pela Vila do Caeté ou de Sousa, fundando naquele sítio importante e útil sítio uma populosa vila que faço tenção sendo Vossa Majestade servido fundar com o nome de Bragança”.

E completa:

“Os moradores desta nova Vila ficam situados numas terras fertilíssimas muito perto do mar Oceano e muito abundante de peixe, e caça, e aonde já há algumas marinhas, e com assistência destas gentes se podem ampliar em forma que provam esta terra de sal de sorte que senão veja na grande necessidade deste gênero, em que agora se acha”.

Junto com a criação da Vila de Bragança, Furtado comunica que a para sustentar o projeto era preciso articular áreas próximas à Bragança que a ligassem com a capital do Estado. Isso seria viabilizado com a criação e fortalecimento da Vila de Ourém, próxima ao rio Guamá, um entreposto de comércio e comunicação. Mendonça Furtado considera Ourém deveras importante a fim de garantir o sucesso do novo empreendimento, como se lê:

“Na chamada casa Forte do Guamá, tenho mandado ajuntar mais de 150 índios que se tem tomado de diversos contrabandistas com intento de fundar naquele sítio, outra nova vila, de gente da terra, que também sendo Vossa Majestade servido, faço tenção de que se conheça pela nova Vila de Ourém, e para que os rapazes se possam criar com civilidade lhe mandei abrir uma escola aonde me dizem que se vão criando muito bem, e aprendendo nela a Língua Portuguesa.

Esta nova vila é sumamente importante porque além de nela poder haver trabalhadores, que ajudem aos lavradores do rio Guamá a cultivam as terras, haverá nelas canoas prontas para transportarem os gêneros do Cayté, e facilitar assim a comunicação daquela nova vila com esta cidade”.

A Vila de Bragança foi palco das experiências que serviriam de base para a implantação das futuras regras do Diretório dos Índios, de dois anos depois (1755/1757), pelo menos é o que se pode perceber pela análise documental. A intervenção no trabalho missionário dos padres jesuítas deu conta de acomodar os índios da Aldeia de São João Batista (bairro da Aldeia atualmente) junto aos colonos, dando-lhes tarefas e permitindo o casamento com os colonos brancos, com o aval da Coroa portuguesa, a fim de povoar a vila. E ainda é fato notório a solicitação para a criação e equiparação do porto do Caeté, a fim de garantir o transporte de gêneros da agricultura da vila através da interseção entre os rios Caeté e Guamá, o que justificaria o desenvolvimento agrícola desta região do Pará:

“Como esta Vila tem um braço do rio que se comunica quase com o Guamá, somente com pequeno trabalho de sete ou oito horas de caminho de terra, faço tenção de por no porto do tal rio Cayté alguns casais para ali terem canoas prontas para a comunicação e fazendo alargar um pequeno varadouro que há por entre aqueles matos, fazendo por ele uma boa estrada, ficarão comunicáveis aqueles rios, e os moradores se poderão livrar dos perigos do mar transportando todos os seus gêneros com grande facilidade pelo dito rio Guamá a esta cidade”.

É interessante observar também o comportamento do governador Mendonça Furtado em relação aos indígenas, antes mesmo das medidas do Diretório que lhes “concedeu” civilidade e cidadania europeia. Ele afirma a necessidade de manter relações amigáveis com os índios (chamados “naturais”), sugerindo o casamento com colonos para fins de povoamento como medida real, e seguiu avaliando, até aquele momento o processo evangelizador. É notável a avaliação que Furtado deu a conhecer ao seu rei.

O objetivo era

“de dar a conhecer aos naturais dele, que os honramos e estimamos, sendo este o meio mais eficaz de trocarmos o natural ódio que nos tem pelo mau tratamento, e desprezo com que os tratamos em amor à boa fé (...) sem cujos princípios, não é possível que subsista e floresça esta larga extensão de país”.

Em 1754, no ofício de 30 de setembro, o Ouvidor Geral do Pará, João da Cruz Diniz Pinheiro, por ordem de Mendonça Furtado, relatou seus progressos a Sebastião José de Carvalho e Melo, informando que trouxe um grupo de engenheiros e astrólogos para traçar a estrada até Ourém solicitada por Mendonça Furtado. Traçaram também as primeiras quadras da nova cidade. Veja na imagem abaixo.

Imagem: Planta da vila nova de Bragança, detalhe do Mapa dos rios Guajará e Cayté.

Original manuscrito de E. Galuzzi, do Arquivo Histórico do Exército (Rio de Janeiro, 1754).

Fonte: REIS, N. Goulart. Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial, p. 280.

Mais uma vez, os outubros prevaleceram na nossa história colonial. Em 20 de outubro de 1758, o Provedor Mor da Capitania do Pará, João Inácio de Brito e Abreu, escreveu ao Secretário de Estado da Marinha e Ultramar Tomé Joaquim da Costa Corte Real, descrevendo as duas localidades que deram origem à cidade de Bragança, informando que a nova Vila de Bragança era formada da Aldeia de São João Batista (dividida por um braço de rio e por uma ponte de madeira) e da área onde hoje é o traçado do polígono histórico de Bragança, onde existia uma outra Igreja de frente para o rio (a então Igreja de Nossa Senhora do Rosário). Essa informação nos determina qual o formato do primeiro traçado urbano de Bragança, com algumas ruas e duas praças, duas igrejas, Casa de Câmara e Cadeia, dezenas de casas e uma população formada por colonos portugueses, açorianos e indígenas.

Bragança então foi constituída pela Souza do Caeté (já transferida de Vila-que-era à margem esquerda do Caeté) com a aldeia missionária de São João Batista, que graças à sua posição geográfica privilegiada, entre Belém e São Luís, ganhou importância política e econômica. E só em 02 de outubro de 1854, através da resolução n.º 252, assinada pelo Presidente da Província Sebastião do Rego barros, é que vila tornou-se cidade, com o nome de Bragança.

Referências bibliográficas:

ABREU, Capistrano J. Capítulos de História Colonial (1500-1800) & Os Caminhos Antigos e o Povoamento do Brasil. Brasília: Universidade de Brasília, 1963.

BAENA, Antonio L. Monteiro. Compêndio das Eras da Província do Pará. Coleção Amazônica. Série José Veríssimo. Belém: Editora da UFPA, 1969.

CHAMBOULEYRON, Rafael. “Plantações, sesmarias e vilas. Uma reflexão sobre a ocupação da Amazônia seiscentista”. Nuevo Mundo - Mundos Nuevos, nº 6 (2006).

In: http://nuevomundo.revues.org/document2260.html

CRUZ, Ernesto. História de Belém. Coleção Amazônica. Série José Veríssimo. Vol 1. Belém: Editora da UFPA, 1973.

OLIVEIRA, Luciana de Fátima. A Vila de Bragança, Rios e Caminhos: 1750-1753. Revista Mosaico, v.1, n.2, p.188-197, jul/dez, 2008.

PEREIRA, Benedito César. Sinopse da História de Bragança. Belém: Imprensa Oficial, 1963.

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