sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Patrimônio Histórico bragantino abandonado... parte 2

Mais um exemplo da incapacidade total de cuidar do Patrimônio Histórico de Bragança é o descaso, desrespeito e abandono do Coreto Pavilhão Senador Antônio Lemos, na atual Praça Antônio Pereira. Recordo que o coreto foi tombado como patrimônio histórico municipal por força do decreto n.º 010/2008, de 15 de janeiro de 2008 (artigo 1º, item IV), sendo assim de interesse e identidade cultural bragantina e merecendo conservação por parte do Poder Executivo Municipal.


Faço um pequeno apanhado da histórica construção. Eis:
O conjunto construído com o coreto foi erguido no início do século XX, comprado pelo intendente Simpliciano Fernandes de Medeiros em 1908 e só montado pelo intendente Antônio da Costa Rodrigues, sendo inaugurado em 18 de dezembro de 1910. Tem uma relação direta com o patrimônio cultural e arquitetônico da cidade, por ser um dos equipamentos influenciados pelas diretrizes de urbanização do fim do século XIX e início do século XX, que se convencionou chamar de Belle-Époque, um período de auge do ciclo econômico da borracha (hevea braziliensis).


Na época, o coreto foi adquirido como muitos exemplares iguais de catálogos disponíveis, como a famosa empresa Kosmos. Foi trazido da Alemanha e sua estrutura metálica foi transportada pelo trem da ferrovia Bragança-Belém.
Considero que essa peça, a praça (antiga Praça Marechal Deodoro e antigo Paço Municipal) e o Palacete Augusto Corrêa formam um conjunto patrimonial da memória republicana da cidade, além de estar num dos locais mais aprazíveis, bucólicos e arborizados de Bragança, onde outrora aconteciam eventos políticos, culturais (como concertos, exposições e até o Carnaval e corridas hípicas) e onde ainda circulam pessoas e suas memórias.

A situação atual é bem diferente. Até bem pouco tempo, estava em estado razoável de conservação, mesmo necessitando de reparos estruturais, como o forro em madeira, estrutura e partes de alguns adornos de sua cúpula metálica. Porém, a situação do bem não é nada se comprada há poucos anos (vide as fotos antigas abaixo, sendo uma delas do acervo de Lúcio Coutinho).
Sua estrutura metálica está deteriorada e mal conservada. Forro com alçapão aberto há meses. Parte de uma coluna simplesmente subtraída (não se sabe como e nem quem fez). Muita ferrugem. Corrimãos destruídos. Isso sem contar com a desarmonia da pintura alegórica e que em nada se coaduna com o conjunto arquitetônico e com a ocupação do bem, em nada protegido, seja do lixo acumulado dentro e fora do coreto, seja de vândalos e pessoas abandonadas que ali fazem seu lugar de descanso e pouso.

Deixo, além da tristeza em ver e registrar esse abandono, algumas perguntas para nossa reflexão:
a) Como consolidar uma política púbica de cultura e conservação dos equipamentos públicos e urbanos construídos nesse caso?
b) Essa é mesmo “uma cidade que renasce” ou que morre a cada dia refletida na morte de sua cultura e de seus ricos exemplares identitários?
c) Essa é a história que se quer deixar de exemplo?
d) Existe algum departamento ou ente público capaz e responsável de cuidar disso?

Fotos antigas do Coreto (diversos anos)






Fotos Atuais do Coreto (02.10.2015. Acervo pessoal)











quinta-feira, 1 de outubro de 2015

1º de outubro de 1823: adesão de Bragança à Independência do Brasil

Foto: Obelisco Centenário, em Bragança. Acervo pessoal.

O processo que resultou na Adesão da antiga Vila de Bragança ao Império do Brasil foi resultado de diversas articulações para construir, tornar possível e compreensível a suposta unicidade do território brasileiro sob a égide do governo imperial liderado por Dom Pedro I dentre tantos outros fatos ligados a esse processo. Esta construção historiográfica é resultado dos debates em torno das comemorações do Centenário da Independência do Brasil e envolveu intelectuais e seus esforços de reescrever a história regional.
Desde agosto de 1823, com a adesão do Pará e do Maranhão, a notícia correu a província do Grão-Pará e suas vilas mais importantes. A Vila de Bragança estava bem ao lado do Maranhão e com esta parte da sua fronteira mantinha contatos comerciais e culturais muito maiores do que com a capital à época, resultando conforme os relatos numa pressão sofrida pelos bragantinos, em boa parte dos que moravam em Belém e de forças políticas aliadas ao trono imperial.
A notícia da adesão maranhense foi recebida em Bragança no dia 20 de agosto de 1823, segundo ofício do Comandante Militar da Vila ao Senado da Câmara, dentre as fontes no Instituto Histórico e Geográfico do Pará. Em 29 de setembro, chegou a Bragança Anastácio José dos Passos que logo informou que no Maranhão combatiam alguns bragantinos contra a causa de Independência, chamados então de rebeldes nos documentos do período.
Naquele mesmo dia, na residência do capitão Pedro Miguel Ferreira Barreto, reuniram-se o informante Anastácio José, o vigário e frei Manoel da Encarnação, o capitão Miguel Barreto e outro senhor José Maria de Freitas Dantas, para que fossem tomadas providências junto à Câmara de Bragança para a adesão da vila, transparecendo um grande medo de que os dilemas e conflitos no Maranhão pudessem se avizinhar e chegar a Bragança.
No dia 30 de setembro, a Câmara publicou um edital anunciando que no dia 5 de outubro iria “se aclamar o Nosso Augusto Imperador o Senhor Dom Pedro e jurar-se a Independência Política do Brasil”, conforme o ofício enviado ao Governo Geral da Província, publicado na Revista do IHGP, n.º 4, página 366 e destacado por Bolívar Bordallo, em seu inédito Cronologia Bragantina.
Na narrativa, parte da população da Vila de Bragança dirigiu uma petição pública à Câmara de Bragança em 1º de outubro de 1823, manifestando desejo imediato e unânime de unir-se ao Império brasileiro. A motivação em parte veio da pressão que os bragantinos sofreram de outros moradores de Belém e do medo de que um conflito se aproximasse. Disseram no documento que não mais admitiam delongas e demoras nesse processo.
E nesse 1º de outubro, em reunião extraordinária, realizada às quatro horas da tarde, a Câmara de Bragança anuiu ao requerimento da população, aderiu ao Império do Brasil e aclamou a Dom Pedro, primeiro Imperador. No dia seguinte, procederam ao juramento de adesão à Independência, mas somente em 4 de outubro o governo provincial foi comunicado da notícia e do movimento de adesão popular à nova configuração política do Brasil.
Assim, em um espaço de tempo curto, de menos de uma semana, o processo de independência do Brasil e de unicidade do território brasileiro sob o poder imperial tornou-se uma realidade nas bandas de Bragança, região do Caeté, um dos últimos lugares a aderir a esse sistema político no Brasil, segundo o relato escrito em 1922.
Como bem analisa o historiador Aldrin Figueiredo em artigo referenciado abaixo, é interessante notar, porém, que parte dessa construção histórica vem de um esforço de um grupo de modernistas, intelectuais e membros do Instituto Histórico e Geográfico do Pará (IHGP), que em seu tempo e por conta do debate sobre o significado da festa de 100 anos da Independência do Brasil (1822), trataram de coordenar esforços, preparar eventos como o de 1923, publicar teses, reescrever a história paraense (e amazônica), dar lugar a novos sujeitos e dar sentido a datas comemorativas, efemérides locais (de muitas cidades paraenses) e de como esse tempo demarcava a identidade nacional em nossa região. Esta nova "versão" dos fatos também reconfigurava a história paraense e a aproximava da história nacional.
Neste esforço coordenado por João de Palma Muniz e Cândido Costa e para a Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, a versão sobre a adesão da Vila de Bragança à Independência do Brasil coube a Augusto Corrêa, vinte anos depois prefeito de Bragança, na tese de número VI da Revista do IHGP, nº 4 de 1922. Assim, essa data passou a ter a importância de inserir a cidade e os bragantinos entre tantas outras datas nacionais.

Foto: Obelisco Centenário, em Bragança. Acervo pessoal (2010).

Cem anos depois, comerciantes, agricultores, industriais e políticos aproximados a essa versão defendida para os fatos que envolveram o tempo da Independência no Pará, inauguraram um monumento erguido para celebrar o episódio, o conhecido Obelisco Centenário da Adesão de Bragança à Independência do Brasil, dando ênfase ao Poder Público e citando os nomes de todos os personagens envolvidos no fato de 1823 e demarcando os seus próprios nomes um século depois.
Nas comemorações do 1º de outubro de 1923, os representantes políticos de Bragança, juntamente com muitos outros comerciantes e proprietários lembraram o 1º Centenário de Adesão de Bragança à Independência do Brasil com um evento marcadamente simbólico de sua identidade local, inaugurando o Monumento Obelisco na então Praça Coronel Batista Júnior (hoje Praça da Catedral de Nossa Senhora do Rosário), em frente à Igreja Matriz. A solenidade de inauguração se deu às 11h da manhã, sendo o obelisco em mármore branco, com 2 metros e meio de altura sobre um pedestal octógono de cimento de meio metro de altura. Nas quatro faces do monumento Obelisco, estão as seguintes inscrições:

a) na parte voltada para o nascente:
Senado da Câmara de 1823.
Domingos José de Sousa, Presidente
Aniceto da Cunha
Raymundo da Silva Lobão
Joaquim Inocêncio de Santiago
Vereadores
Manoel Antonio Pinheiro, procurador

b) na parte voltada para o poente:
Presidente da República do Brasil
Dr. Arthur da Silva Bernardes 1922-1926
Governador do Pará
Dr. Antônio Sousa Castro 1921-1925
Intendente de Bragança
Coronel Childerico José Fernandes 1921-1924

c) na face do lado sul:
Conselho Municipal de Bragança
Jose da Silveira Batista
Mariano da Costa Rodrigues Filho
Filenillo da Silveira Ramos
Antônio Manuel Pereira
1918-1924
Manuel Benedito de Mattos
José Pereira Bragança
Ramiro da Cunha Guimarães
José Fernandes de Alencar
1921-1924

d) na face do lado norte:
Homenagem da Intendência,
Commercio, Industria, Lavoura e Povo
ao Município de Bragança,
no 1º Centenário de Adhesão
à Independência do Brasil.
1º de outubro de 1823 – 1º de outubro de 1923

Referências:

FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. “Panteão da história, oratório da nação: o simbolismo religioso na construção dos vultos pátrios da Amazônia”. In: NEVES, Fernando A. de F.; LIMA, Maria Roseane C. P. (orgs.). Faces da história da Amazônia. Belém: Paka-Tatu, 2006.

__________. A memória modernista do tempo do Rei: narrativas das guerras napoleônicas e do Grão-Pará nos tempos do Brasil-Reino, 1808-1931Revista do Arquivo da Cidade do Rio de Janeiro, vol. 2. 2008.

__________. Memórias cartaginesas: modernismo, Antiguidade clássica e a historiografia da Independência do Brasil na Amazônia, 1823-1923. Estudos Históricos. Rio de Janeiro. vol. 22., n. 43. janeiro-junho de 2009. pp. 176-195.

MUNIZ, João de Palma. Adhesão do Grão-Pará à IndependênciaRevista do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, vol. 6, n. 4. 1922.

RICCI, Magda. História amotinada: memórias da CabanagemCadernos do CFCH, vol. 12, n. 1. 1993.

______. “Folclore, literatura e história: a trajetória de Henrique Jorge Hurley”. In: FONTES, Edilza; BEZERRA NETO, José Maia. (orgs.). Diálogos entre história, literatura e memória. Belém: Paka-Tatu, 2007.