sexta-feira, 23 de julho de 2010

37 anos sem Bolívar Bordallo da Silva e Entrevista com a Prof.ª Mariana Bordallo da Silva

Entrevista com a Prof.ª Esp. Mariana Thereza Athayde Bordallo da Silva, de 23 de julho de 2010, nos 37 anos de falecimento de Bolívar Bordallo da Silva

Introdução. Hoje é aniversário de morte do Prof. Bolívar Bordallo da Silva, falecido em 23 de julho de 1973, em Belém. Bolívar era advogado, professor, historiador, pesquisador, folclorista e um bragantino apaixonado. Segundo filho de Sebastião José da Silva e Maria do Céu Bordallo da Silva, nasceu em Bragança em 25 de setembro de 1907 e com o seu irmão Armando Bordallo, teve intensa participação nas atividades sociais e culturais de Bragança. Morreu em Belém aos 65 anos e deixou dois livros inéditos: um é a Cronologia Bragantina: um capítulo na História da Amazônia, num importantíssimo trabalho de pesquisa sobre fatos na História de Bragança e o outro de poesias com temas da cultura popular Bragantinas – Poesias. Leia abaixo a entrevista que a Prof.ª Mariana Bordallo me concedeu com exclusividade sobre a vida de sua família tão ilustre na recente História de Bragança, em trechos muito engraçados e outros muito emocionados, Mariana narra com detalhes sua convivência com o homem Bolívar Bordallo e com a sua família.

Prof. Dário: Hoje é uma data em que Bragança perdeu há 37 anos o seu ilustre Bolívar Bordallo da Silva. Para os padrões de hoje do século XXI, ele foi uma pessoa que viveu relativamente pouco, mas que deixou de herança talvez, um legado, dele e com o seu irmão Armando Bordallo. A minha primeira pergunta é da questão familiar. Como é ser filha de Armando Bordallo e sobrinha de Bolívar Bordallo, que aqui em Bragança tem uma tradição escolar muito grande?

Prof.ª Mariana: O Bolívar, quando ele morreu eu tinha 16 anos. Então, eu convivi bastante com ele, mas ao mesmo tempo a minha visão dele era uma visão de criança, de jovem, porque ele morava ao lado de casa. E eu convivia bastante com eles todos. Todo dia eu estava lá. Eu ia brincar com os alunos da escola, quando eu era pequena eu ia brincar com as crianças da escola, que eram da minha idade. E assim, apesar de algumas pessoas da família dizerem que o Vavá (apelido familiar de Bolívar Bordallo da Silva) era ranheta, eu não consigo me lembrar dele assim. Ele era um tio muito carinhoso. Com todos os sobrinhos ele era assim. Eles todos eram muito sérios. Mas isso não quer dizer que eles não tivessem momentos de relaxamento. Mas do Vavá, que eu me lembro bem dele, que ficou muito marcado pra mim, era aquele cuidado quando das vezes que ia almoçar lá, ele é que ia preparar o meu prato, ele era que cortava aquela comidinha, com uma paciência, bem miudinho. A outra coisa era, quando eu me machucava, por exemplo, com algum machucado, quem fazia os curativos era sempre o Vavá, que fazia os curativos sem doer.

Prof. Dário: Mesmo o seu pai sendo médico? E o Bolívar?

Prof.ª Mariana: O papai (Armando Bordallo da Silva)... risos. Eu tinha pavor do papai... ele tinha a mão pesada na hora de fazer os curativos. Esses momentos, realmente, do tio, esses momentos ficaram para mim com saudade, pelas coisas que ele contava, ele tinha umas coisas muito interessantes, por exemplo, quando ele estava sentado à mesa, esperando servir a mesa, ele tinha mania de ficar batucando os dedinhos em cima da mesa, batendo. Ele era uma pessoa muito sonora, muito musical. Ele tinha uma frase que eu achava muito engraçada, como “all right... good morning... com batatas” que não queria dizer absolutamente nada, que ele dizia com ritmo, mas ele repetia aquilo por causa do som, porque gostava da sonoridade. Outra frase, tipo “meio-dia, panela no fogo, barriga vazia, deu um sopapo na velha Maria”. Isso era a cara dele. Ele gostava dessas coisas ritmadas. Para mim, isso ficou dele. Uma coisa que não era tão simpático, mas que é até engraçado, que ele implicava com o pessoal da televisão... (risos)

Prof. Dário: Ele falava com a televisão?

Prof.ª Mariana: Era muito engraçado... a gente lembra lá em casa... Ele conversava com a televisão. Ninguém podia falar uma palavra errada que ele corrigia. Ele implicava com isso dizendo “esse pessoal fala errado”. Ele reclamava, porque achava que eles falavam errado.

Prof. Dário: Sendo sobrinha, você fez uma biografia do Bolívar, quer dizer, já não somente a “suspeita sobrinha”, mas também biógrafa. Da vida dele o que é mais importante para você enquanto profissional?

Prof.ª Mariana: A Educação. Eu diria que para os três (referindo aos irmãos Armando, Almira e Bolívar Bordallo da Silva, todos professores), o centro da vida deles era a Educação. Eu sou professora também, é quase um carma. Por exemplo, essa questão dele ficar corrigindo, reclamando, exatamente devido a essa preocupação que ele tinha, ele achava um absurdo na televisão o falar errado, porque estaria ensinando errado, de uma forma errada às pessoas.

Prof. Dário: A Educação para ele e para os irmãos?

Prof.ª Mariana: Eu acho que para os três, eu posso te dizer com certeza... não foi só o Armando, não foi só o Bolívar, mas a Almira também. Apesar da Miminha (apelido familiar de sua tia Almira Bordallo da Silva) não ter feito um curso de nível superior, ela era uma autodidata. E era também uma mulher muito inteligente, muito culta. Ela tinha todos aqueles Piaget (referindo-se às de Jean Piaget) da vida, uma coleção completa de Piaget. Em 1950, ela já trabalhava com uma temática moderna para teres uma ideia. Aqueles conjuntos, que hoje em dia se trabalha, que é uma coisa relativamente recente, de coleções sobre educação infantil e básica, ela já trabalhava naquela época. Ela era completamente voltada para a Educação. Ela era professora. Ela criou uma escola. Nessa escola, pessoas de grande destaque em Belém estudaram na escola dela (citou vários nomes de pessoas influentes de famílias da capital do Estado). Ela foi uma educadora. A vida dela foi dedicada a isso. A vida deles foi voltada para a Educação.

Prof. Dário: E a influência deles todos foi voltada à Educação?

Prof.ª Mariana: A vida dele também. Ele (Bolívar) criou o primeiro ginásio noturno em Belém, juntamente com o Luiz Paulino (referindo à Luiz Paulino dos Santos Mártyres). E ele realmente só parou porque ele teve aquele problema de locomoção. E naquela época a pessoa quando tinha um problema de saúde qualquer, de paralisia, essas coisas, ela ficava praticamente inútil. Não é como hoje, que as pessoas com deficiência tem um estímulo para produzir. Não sei te dizer exatamente o que ele teve. E foi assim rápido.

Prof. Dário: Ele teve um problema degenerativo de locomoção? E com esse problema?

Prof.ª Mariana: Até então, até 1972 a escola dele funcionava. Quando a escola fechou, eu acho que, além da depressão que deve ter dado nele, ele talvez não se sentisse tão solitário. Porque a escola estava sempre cheia de crianças. Ele tinha toda uma atividade. A escola tinha uma kombi que ia buscar e ia levar as crianças. Então ele ia na kombi (mostrou uma foto de Bolívar Bordallo da Silva na kombi), mesmo doente. Naquela hora ele se levantava, ele andava, na verdade com duas muletas, era uma forma de forçar... com o término da escola ele ficou muito parado então todos os órgãos dele começaram a parar também.

Prof. Dário: Ele era relativamente novo?

Prof.ª Mariana: Ele morreu com 66 anos. Novo, com certeza.

Prof. Dário: Orgulho profissional e familiar juntos, em seu caso?

Prof.ª Mariana: Com certeza. Para mim, era um tio querido, familiarmente. Foi uma pessoa importante na minha infância. E no lado profissional, muito orgulho, pela dignidade dele, por esse amor que ele teve não só pela Educação, primeiramente, mas era uma pessoa muito correta, muito ético. Isso me marcou muito. Uma pessoa muito digna em tudo o que ele fazia e eu acho que esse interesse que ele tinha além da Educação, o interesse que ele tinha pelas questões culturais, o amor que eles (os irmãos) tinham por Bragança, mais o papai e o Vavá. A Miminha nem tanto, que se tornou mais urbana, mais belenense. Ela se transferiu, não é bem o termo, ela gostava de Bragança mas se dedicou mais a Belém, às questões de Belém, porque ela tinha uma visão mais universal, mas cosmopolita.

Prof. Dário: Você acha que Bragança recorda e trata com carinho a memória dessas pessoas hoje?

Prof.ª Mariana: Hoje, eu acho que sim. Houve um reconhecimento de toda a dedicação que eles tiveram. Tanto o papai quanto o Bolívar. O Bolívar talvez um pouco menos devido à doença. Mas o que o papai podia fazer, mesmo conversando à mesa, ninguém podia falar alguma coisa que ele dava um jeito de “puxar a brasa” para Bragança.

Prof. Dário: De dez palavras, onze eram sobre Bragança?

Prof.ª Mariana: De dez palavras, onze eram sobre Bragança. Exatamente. Os meus irmãos “encarnavam”. Por exemplo, a viagem para Bragança, vamos dizer, se era às seis, sete horas da manhã, às três horas ele já estava acordado arrumando tudo para viajar para Bragança. A ansiedade dele de vir para Bragança. Bragança era o lugar mais bonito, era o lugar mais lindo, era o melhor lugar do mundo, era o paraíso na Terra para ele. Bragança... nada substituía Bragança.

Prof. Dário: O que você acha que a comunidade estudantil precisa aprender o que com Bolívar Bordallo?

Prof.ª Mariana: Tanto com o Bolívar como com o Armando. Eu acho que eles, se eles tivessem, lá do paraíso, de Bragança celeste onde eles estão, principalmente, eles gostariam que a juventude hoje pudesse aprender os valores morais, a ética, a honestidade, a moralidade, a dignidade, o apego à família... eles eram muito chegados à essa questão familiar, o respeito pela natureza, que todos hoje, tanto o papai quanto o Bolívar eles zelavam muito por essa questão da natureza, e numa época que ainda não se dava tanta importância para a natureza. E buscar sempre o crescimento através da Educação. Porque eles acreditavam muito na Educação, como meio de evolução moral, de evolução econômica, de evolução como cidade, como povo, social, cultural, como um todo.

Prof. Dário: Armando Bordallo em uma palavra?

Prof.ª Mariana: Coração (Mariana se emociona).

Prof. Dário: Bolívar Bordallo em uma palavra?

Prof.ª Mariana: Carinho.

Prof. Dário: Almira Bordallo em uma palavra?

Prof.ª Mariana: Educação.

Prof. Dário: Fecham um ciclo os três?

Prof.ª Mariana: Com certeza. O papai era de um coração. Pergunta para as minhas tias. O que tu perguntares à família da mamãe (referindo à sua mãe, Marilda Athayde Bordallo da Silva), todas as irmãs da mamãe, todas, eram apaixonadas pelo papai, porque ele era o pai de todas elas. Ele tinha um carinho por todas elas. Uma coisa que era muito forte também no papai era o respeito. Ele tinha um respeito muito grande pelas pessoas. De um modo geral. Não importava se era o Presidente da República, se era o varredor de rua...

Prof. Dário: Mensagem para Bragança nesse dia de tanta lembrança, de 37 anos sem Bolívar Bordallo da Silva?

Prof.ª Mariana: Falando pelo Bolívar, a minha mensagem para Bragança é olhar mais para a vida do Bolívar e procurem imitar o exemplo que ele deixou como cidadão, como pessoa, como estudioso, a dedicação que ele teve, o amor pela Educação. De tudo o aquilo que ele acreditava que a Educação poderia trazer ao ser humano de bom. Talvez fosse essa a mensagem que ele gostaria de passar hoje, falando um pouco por ele.

Prof. Dário: Você tem um projeto para a publicação das obras inéditas do Bolívar Bordallo da Silva?

Prof.ª Mariana: É um projeto em andamento apenas. O livro (referindo-se à obra inédita Cronologia Bragantina 1500-1954) foi digitado. Quando eu encontrei esse livro, que eu olhei, apesar de eu não ter na época muita noção do que era tudo aquilo, eu senti e tive uma intuição de que realmente era uma coisa importante. Só aos poucos pelo que eu fui lendo, eu fui entendendo o que era aquilo. E principalmente, aquilo que eu já te falei, e é uma verdade. Depois que eu li esse livro – eu digitei, fui lendo conforme eu ia digitando – eu senti como se eu estivesse conhecendo um pouco mais o meu pai, um pouco mais o Bolívar, e principalmente, eu passei a entender esse amor que eles tinham por Bragança.

Prof. Dário: Então a Cronologia Bragantina é uma janela para ver a Bragança do passado?

Prof.ª Mariana: Exatamente. Uma porta pro passado de Bragança. E eu acho até que para as pessoas, como aconteceu comigo, acredito que sim. É uma forma de entender um pouco o que foi Bragança durante todo esse período, porque a partir de 1960 houve uma modificação muito grande, mas toda a importância que Bragança já teve dentro do Estado, na história da região, enfim, tudo aquilo que já representou. Eu não tinha ideia do que era, apesar de ser filha do Armando, de vir todas as férias à Bragança, de ter minha família aqui, ser neta do Major Benedito Cardoso de Athayde, eu não conhecia Bragança. Eu passei a ver Bragança de uma outra forma. Por isso que eu acho que seria importante. Tem muitos fatos. Mas fora isso, as coisas importantes são as observações que ele faz sobre fatos da cidade, com certo caráter de crônica social, de coisas e pessoas que a gente não tinha nem noção. E é como eu te falei. Cada uma das famílias de Bragança, principalmente as que já vivem aqui há mais tempo, que já tem uma história dentro da cidade, elas vão se reconhecer no livro. Eu mesmo descobri coisas nesse livro, como o nome de meu avô. Esse livro é muito importante para Bragança e para todos nós.

Obrigado Prof.ª Mariana Bordallo pela sua entrevista.

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