Luto (por Adriane Pollet)
O luto é um processo mental destinado à instalação de uma perda significativa na mente. Segundo Kaplan (1997), o luto sem complicações é visto como uma resposta normal em vista da previsibilidade de seus sintomas e seu curso. O luto inicial manifesta-se frequentemente por um estado de choque, podendo ser expresso como um sentimento de torpor e de completo atordoamento. A parte perceptível deste processo se caracteriza, inicialmente, pela repetida rememoração da perda sempre acompanhada do sentimento de tristeza e de choro, após o que a pessoa acaba se consolando.
Evoluindo, o processo passa a ser de rememoração de cenas agradáveis e desagradáveis, nem sempre seguidas de tristeza e choro, mas sempre com a consolação final. Kaplan (1997) segue comentando que é um processo sempre lento, longo e acompanhado de graus variáveis de falta de interesse pelo mundo exterior (tristeza), que vão diminuindo conforme o processo avança. O processo vai gradualmente se extinguindo com desaparecimento da tristeza, do choro e instalação da consolação e volta do interesse pelo mundo exterior. No final, a pessoa perdida passa a ser apenas uma lembrança, o sentimento de tristeza desaparece e a vida afetiva retoma seu curso voltando a ser possível nova ligação afetiva.
Para Freud (1916) “o luto, de modo geral, é a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade ou o ideal de alguém, e assim por diante”. “E segue dizendo que o luto normal é um processo longo e doloroso, que acaba por resolver-se por si só, quando o enlutado encontra objetos de substituição para o que foi perdido.”
“O trabalho de luto consiste, assim, num desinvestimento de um objeto, ao qual é mais difícil renunciar na medida em que uma parte de si mesmo se vê perdida nele” Mannoni (1995).
De acordo com Freud (1916) o trabalho de luto se realiza, de forma que toda libido é retirada das ligações com objeto amado, a realidade mostra que esse objeto não existe mais. Porém as pessoas nunca abandonam de boa vontade uma posição libidinal, nem mesmo na realidade quando encontra um substituto. Existe um período considerado necessário para a pessoa enlutada passar pela experiência da perda. Esse período não pode ser artificialmente prolongado ou reduzido, uma vez que o luto demanda tempo e energia para ser elaborado.
Costuma-se considerar que o primeiro ano é importantíssimo para que a pessoa enlutada possa passar, pela primeira vez, por experiências e datas significativas, sem a pessoa que morreu (Kaplan 1997). Por outro lado, não podemos tomar isto como uma regra fixa, há muitos fatores que entram em cena, quando se trata de avaliar as condições do enlutado, seus recursos para enfrentar a perda e as necessidades que podem se apresentar. Para cada enlutado, sua perda é a pior, a mais difícil, pois cada pessoa é aquela que sabe dimensionar sua dor e seus recursos para enfrentá-la.
Para Freud e Melanie Klein uma das formas da pessoa liberar-se do luto é tendo a prova da realidade. Neste período a pessoa conseguirá se desligar e canalizar a libido para outro objeto.
Segundo Melanie Klein (1981), a dor sentida no lento processo do teste da realidade durante o trabalho penoso de luto parece ser devido, em parte, não somente à necessidade de renovar os vínculos com o mundo externo, mas também sim re-experimentar continuamente a perda, reconstruindo angustiosamente o mundo interno, que se sente estar em perigo de deterioração e colapso.
Entretanto Freud (1916) suspeita de que algumas pessoas, ao passar pela mesma situação de perda, em vez de luto, produzem melancolia, sendo esta uma disposição patológica do individuo. Para justificar essa premissa, o autor fez uma série de comparações entre o luto e a melancolia, tentando mostrar o que ocorre psiquicamente com o sujeito em ambos o caso.
Quadro teórico
Desde muito cedo, ainda bebês, segundo a interpretação de Melanie Klein (1981), a criança passa por um processo de interiorização quando elas começam ter relações primeiramente com a mãe, depois com seu pai e com outras pessoas. A criança ao incorporar seus pais, sente-os como pessoas vivas dentro do seu corpo, de modo concreto em que as profundas fantasias inconscientes são sentidas, elas são em sua mente, objetos interiores ou interiorizado.
Por isso todas as alegrias que a criança goza através da sua relação com a mãe são provas para ela que o objeto amado, dentro e fora do seu corpo, não está lesado e não se transformara numa pessoa vingadora. O aumento do amor e da confiança através e a diminuição dos temores através de experiências felizes, ajudam a criança, passo a passo, a ultrapassar sua depressão e sentimento de perda (luto). (Melanie Klein, 1981).
A princípio, convivemos com separações temporárias, como por exemplo, a mudança de escola. Mas chega uma hora, que acontece a nossa primeira perda definitiva: alguém que nos é muito querido, um dia, se vai para sempre.
Segundo Kübler-Ross (1997), deve-se permitir que as crianças continuem em casa, onde ocorreu uma desgraça, e participem da conversa, das discussões e dos temores, faz com que não se sintam sozinhas na dor, dando-lhes conforto de uma responsabilidade e luto compartilhado. A autora segue ainda nos relatando que com isso a um incentivo para que encarem a morte como parte da vida, uma experiência que pode ajudá-las a crescer e amadurecer.
Freud, o trabalho de luto consiste principalmente no teste da realidade, ou seja, restabelecendo o contato com o mundo real, descobre e redescobre que a pessoa amada não existe mais. Já Klein o teste da realidade não se refere só a realidade externa, mas também a realidade interna. Mostra que a pessoa amada perdida estava identificada com os objetos bons internos, e que sua perda representa um desmoronamento de todo o mundo interno que deve ser reconstruído.
Quando existe a perda de uma pessoa amada, o sujeito acolhe dentro de si a pessoa que perdeu (reincorpora-a), mas também reinstala seus objetos bons interiorizados. Então a posição depressiva mais recuada e, com ela, as ansiedades, os sentimentos de culpa, de perda e de aflição, derivados da situação do seio materno, da situação de Édipo e de outras fontes, tudo isso é reativado.
Quando o trabalho de reparação do objeto amado prejudicado está sendo efetuado, se no fundo da mente isso significa um triunfo sobre ele, a reparação fracassa e a culpa não é aliviada. O triunfo sobre os objetos internos que o bebê controla, humilha e tortura é uma parte do aspecto destrutivo da posição maníaca que perturba a reparação e a recriação de seu mundo interno e da paz e harmonia interna. E assim o triunfo impede o trabalho do luto primitivo. A morte da pessoa amada real pode despertar ódio, que na situação de luto é sentida como triunfo sobre o morto, e aumenta a culpa. No luto normal há também sentimento de triunfo sobre o morto, com a conseqüência de retardar o trabalho de luto ou aumentar as dificuldades e dor do enlutado (Simon, 1986).
Da mesma forma como a criança, passando pela posição depressiva, luta em seu inconsciente com a tarefa de estabelecer e integrar o mundo interno, assim também, o individuo em luto atravessa um estado maníaco depressivo, o sujeito enlutado sofre a pena de restabelecer e reintegrar esse mesmo mundo (Klein, 1981).
Para Melanie Klein o trabalho de luto implica na superação das regressões paranóides e dos mecanismos maníacos, ate que o mundo interno seja restaurado. Se a necessidades depressivas não puderem ser superadas pelo enlutado, resultara no luto anormal (excessiva ligação interminável ao morto, indiferença pela perda) ou doença mental.
Certas características do indivíduo podem fazer com que o processo de luto se torne patológico, o que para Freud (1916) era a melancolia, similar ao luto, mas de caráter patológico. Para Melanie Klein (1981) o processo do luto teria grande relação e semelhanças com o estado maníaco depressivo.
Conforme Freud (1916), no luto, há uma perda consciente. Na melancolia, a pessoa sabe quem perdeu, mas não o que perdeu nesse alguém. “A melancolia está de alguma forma relacionada a uma perda objetal retirada da consciência, em contraposição ao luto, no qual nada existe de inconsciente a respeito da perda”.
“Os traços mentais distintivos da melancolia são um desanimo profundamente penoso, a cessação de interesse pelo mundo, a perda da capacidade amar, a inibição de toda e qualquer atividade, e uma diminuição dos sentimentos de auto-estima a ponto de encontrar expressão de recriminação e auto-envelhecimento, culminando numa expectativa delirante de punição”. Freud (1916). Ainda citando Freud, (1916) o melancólico pode apresentar características de mania. “... o maníaco demonstra claramente sua liberação do objeto que causou seu sofrimento, procurando, como um homem vorazmente faminto, novas catexias objetais”. Ou seja, há uma busca indiscriminada de outros objetos nos quais o indivíduo possa investir.
O que se poderia dizer afinal é que, a pessoa melancólica coloca a si própria como culpada pela perda do objeto amado. Talvez a grande diferença entre o luto e melancolia para Freud é que no luto o mundo torna-se pobre, vazio e inexpressivo e na melancolia é o próprio ego”.Os sentimentos negativos são expressos contra o self, e a pessoa se torna deprimida, em Freud(1916)”O paciente representa seu ego para nós como se fosse desprovido de valor, incapaz de qualquer realização e moralmente desprezível...”.
Conclusão
O luto é uma das experiências mais universais desorganizadoras e assustadoras que vivem o ser humano, entretanto a forma como individuo ira viver seu luto que identificara um surgimento de uma patologia (melancolia) ou desenvolvimento de um processo normal de perda.
E para criança diga-se segundo Melanie Klein (1981), ela deve ter absoluto acesso as experiências do luto desde o peito materno, é como ela tem esse acesso que ajudara num desenvolvimento normal do luto.E não é por outro motivo que Kluber-Ross (1997), afirma que o luto não deve ser escondido da criança, assim ela vai perceber que a morte faz parte da vida. A criança aprende que se podem ultrapassar tristezas, apoiando-se nos outros. É como se aprende a lidar com este luto ainda criança que vai nos dar condições de elaborar novos lutos na vida adulta, que seria a prova da realidade descrita por Freud (1916), Melanie Klein (1981).
Passamos por essas fases de luto muitas vezes em nossas vidas, fazendo-se necessário olharmos para nós mesmos e reinvestirmos nossa energia, vivendo dia-a-dia até que tenhamos ultrapassado esses momentos difíceis. Podemos, no entanto, aprender a conviver com a dor, se o trabalho de luto for bem sucedido, pode levar a enriquecimento, transformando-a (sublimação) em um movimento positivo que possa ajudar ao mundo e a nós mesmos.
Por fim é o mais importante ressaltar que, o profissional devera saber diferenciar o processo de luto, normal e a melancolia (Freud, 1916) ou luto patológico Melanie Klein(1981), podendo assim traçar um diagnostico do cliente.
Referências Bibliográficas:
FREUD, S. Luto e Melancolia. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, vol. XIV, Imago: Rio de Janeiro, 1914-1916.
KÜBLER-ROSS, E. Sobre a morte e o morrer. 8ª edição. Martins Fontes: São Paulo, 1997.
KLEIN, M. Contribuições à psicanálise. Mestre Jou: São Paulo, 1981.
KAPLAN, H. Compêndio de psiquiatria: ciência do comportamento e psiquiatria clinica. 7ª edição. Artmed,1997.
MANNONI, M. O nomeável e o inominável. Jorge Zahar Editora: Rio de Janeiro, 1995
SIMON, R. Introdução a psicanálise: Melanie Klein. 3ª edição. EPU: São Paulo, 1986.
Acessado de: http://www.coladaweb.com/psicologia/luto
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