quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Discurso de Dom Luís Ferrando, bispo diocesano, nos funerais de Dom Miguel Maria Giambelli, em 27.12.2010

Disse Dom Luís Ferrando...

Enquanto queremos entregar nas mãos da Misericórdia de Deus a alma de Dom Miguel Maria Giambelli, queremos também professar nossa fé na Ressurreição e na vida eterna que Jesus nos reconquistou com sua paixão, morte e ressurreição.

Quem era dom Miguel Maria Giambelli, nosso Bispo?

Nasceu em Flero, na diocese de Brescia na Itália aos 23 de março de 1920. Foi ordenado sacerdote Barnabita aos 04 de julho de 1943. Cursou a Faculdade de Letras e Filosofia em Florença. Em novembro de 1946 veio ao Brasil realizando assim o sonho de ser missionário na Prelazia do Guamá. Seu primeiro empenho pastoral foi em Ourém onde permaneceu de 1947 até 1952. Aos 02 de fevereiro de 1953, Dom Eliseu o nomeou Vigário Geral. Nesta responsabilidade Dom Miguel permaneceu por 24 anos.

Em julho de 1953, coordenou o Congresso Eucarístico da Prelazia do Guamá. Em 1957, por oito anos, assume o cargo de Vigário de Bragança. Em 1965, Dom Miguel teve que assumir a Paróquia de Nossa Senhora de Nazaré em Belém. Ficou com aquela responsabilidade por seis anos. Ao mesmo tempo, porém, por vontade de Dom Eliseu, não deixou de exercer sua tarefa de vigário Geral da Prelazia do Guamá.

Em 1971, regressando a Bragança, é escolhido pelos padres da Prelazia como Coordenador de Pastoral, Diretor da Rádio Educadora, e do SERB. Na veste de coordenador do SERB organizou centenas de treinamentos de lideres interioranos. É desta época a construção dos dois prédios: o antigo Centro de Treinamento e o escritório do SERB, hoje sede da Rádio Educadora e da Escola Radiofônica de Bragança.

Aos 23 de março de 1977, é escolhido pelo Papa Paulo VI como Administrador Apostólico da Prelazia do Guamá. Como Administrador, coube a ele dividir a Paróquia de Bragança criando mais três Paróquias, além da paróquia da Catedral. Deu início ao Seminário Menor Diocesano. Criou a Paróquia de Dom Eliseu aos 05 de março de 1979 e celebrou solenemente o Jubileu de Ouro da Prelazia do Guamá em Ourém, aos 06 de janeiro de 1980.

A nomeação a Bispo do Guamá é de 23 de abril de 1980. A consagração a Bispo ocorreu aos 15 de junho de 1980, data em que a Prelazia do Guamá foi elevada ao grau de Diocese assumindo o nome de Diocese de Bragança. No mesmo dia, Dom Miguel tomou posse da nova diocese como seu primeiro bispo.

Consagrou a Catedral aos 08 de dezembro de 1983. Instituiu a EFAC com a finalidade de formar Lideres para as comunidades de base. Valorizou o sacramento da Crisma. Fundou o Seminário Diocesano Maior de Belém para a formação filosófica e teológica dos nossos futuros sacerdotes. Sempre priorizou a Pastoral Diocesana das Vocações seguindo um insistente conselho do então Núncio Apostólico Dom Cármine Rocco. Se hoje temos um considerável número de Padres certamente o devemos a este zelo pelas vocações que Dom Miguel sempre sustentou.

Suas demissões foram aceitas de fato pelo papa João Paulo II aos 10 de abril de 1996. Aos 09 de junho do mesmo ano por sua livre escolha, se retirou para um apartamento do Hospital Santo Antônio onde por 14 anos exerceu com generosidade o ministério de Capelão do hospital, sempre pronto a qualquer chamada e a qualquer hora. Podia acolher o convite dos Padres Barnabitas de Roma para retirar-se à Casa Generalícia da Congregação, mas preferiu o serviço humilde aos pobres mais pobres: os doentes do Hospital Santo Antônio Maria Zaccaria.

Homem de caráter forte e fibra muito robusta, (ele) encontrou a morte aos noventa anos de idade no dia de 26 de dezembro de 2010. Esta é a história e as datas marcantes da vida de Dom Miguel.

Mas ele se nos apresenta bem mais importante. Quase chegando aos seus quatrocentos anos de existência, Bragança pode orgulhar-se de ter tido Dom Miguel como missionário e bispo. De uma coisa não podemos duvidar: o que inspirou Dom Miguel a vir ao Brasil ainda novo e aqui permanecer por mais de 60 anos até a morte foi um grande desejo de evangelizar e um grande amor pelas pessoas da Prelazia-Diocese de Bragança. Dizer que somente ele fez determinadas coisas seria injusto e anti-histórico, pois todos os padres Barnabitas participavam das decisões acerca dos empreendimentos que iam realizar e em seguida realizar.

Contudo, é verdade que à frente de determinadas iniciativas foi posto Dom Miguel para que coordenasse as equipes encarregadas de realizá-las. O entusiasmo e a generosidade com que exercia a coordenação e a direção dos trabalhos é que fazia dele quase que o único artífice de tudo.

Assim foi com a Rádio Educadora. Ele me contava que conseguiu até o brevê de radioamador para entender melhor os trâmites para organizar uma façanha como aquela. É bom lembrar que a Rádio Educadora diocesana existe há 50 anos. Isso quer dizer que quando foi decidida sua construção pelos Padres Barnabitas se tratava ainda de uma iniciativa pioneira, sobretudo aqui no Norte. A Rádio foi um exemplo de clarividência inspirado pelo zelo apostólico dos Padres Barnabitas que assim anteciparam os tempos das comunicações sociais de massa que só nestes últimos tempos com a implantação de novas rádios e televisões têm tido uma grande disseminação pelo país e pelo mundo.

Para que a Rádio Educadora fosse moderna e equipada com os meios técnicos mais modernos, ele me dizia que tinha viajado muito para visitar experiências já em ato. Providenciou o transmissor de ondas curtas mais moderno da época que mandou buscar nos Estado Unidos e que continua a funcionar ainda hoje apesar dos seus cinquenta anos. De posse deste meio formidável de comunicação, Dom Miguel e os Padres Barnabitas organizaram a Escola à distância que até hoje tem formado até à oitava série mais de cem mil alunos. Mas também quantas comunidades rurais não foram formadas e instruídas pela Rádio Educadora? Quantas comunidades eclesiais não se sintonizaram com seus radinhos para assistir às Palestras de formação e às Missas dominicais? Quantas notícias não foram transmitidas?

Outro empreendimento que Dom Miguel coordenou pelo convite dos seus confrades Barnabitas foi o SERB. Na época existiam ainda poucas estradas, poucas escolas interioranas, e, sobretudo, pouca cultura para o progresso do homem. O SERB nasceu do coração daqueles missionários como um meio para fazer progredir o homem do campo nas suas lavoras (clube agrícola), as mulheres nos seus afazeres de casa (clube de mães), os jovens nas suas problemáticas juvenis (clube de jovens), as crianças no seu crescimento na fé (catequese). Queria-se que o vilarejo todo se organizasse para encontrar e enfrentar todos os seus problemas. O SERB, de fato, não foi somente uma escola agrícola: foi uma escola completa que atingia todas as necessidades da comunidade. Desta forma, antes ainda que a Igreja do Brasil desse início às Comunidades Cristãs de Base, O SERB, coordenado por Dom Miguel já havia antecipado os tempos formando suas Comunidades de Base. Diferentes das CEB’s quistas na Conferência de Medellín, mas sempre Comunidades de Base. Era o ano de 1965.

Desejoso de ver seus leigos preparados para coordenar melhor as comunidades iniciou, quando já bispo da Diocese de Bragança, a Escola para Coordenadores, a EFAC. Queria que os seus leigos e leigas soubessem das coisas de Deus de forma mais profunda para comunicá-las melhor. E foi assim que umas centenas de homens e mulheres participaram dos cursos formativos no atual centro de treinamento mais conhecido como EFAC

Mas Dom Miguel não foi somente um organizador. Foi também um grande homem de Deus. Está certo fazer, construir, organizar. Mas para um sacerdote e para um bispo tudo isso tem sua base, sua origem: Deus.

A Moisés, diz a Bíblia, Deus falava como a um amigo. Eu não sei se isso aconteceu com Dom Miguel. Tenho, porém certeza que Dom Miguel procurava Deus como se procura um amigo. Em várias conversas, que ele logo desviava para a brincadeira, isso transpareceu claramente. Era muito comum encontrá-lo na capela a rezar. Foi no trajeto do quarto dele até a capela que se sentiu mal no dia 19 de novembro, às quatro horas da madrugada. Ia fazer o que nestas horas na capela? Ia rezar. Como de costume. Para ter todo o tempo livre, em seguida, para os seus doentes. Rezava. Rezava muito. Para todas as necessidades das pessoas que se confiavam às suas orações: pelas irmãs, pelos sacerdotes, pelo bispo (quantas vezes me falou isso). Enfim qual pessoa foi pedir a ele orações e não foi atendida?

E quem não se lembra da sua devoção ao celebrar a Eucaristia? Era muito exigente, mas isso mostrava a importância que ele dava à Missa e tal atitude severa queria ser incentivo para que também outros tributassem a mesma devoção para tão sublime sacramento. E para fazê-lo apreciar pelos diocesanos, na ocasião do Congresso Eucarístico de 1953 foi ele que, revezando-se com mais dois confrades, andou em todos os lugares da Prelazia para realizar missões eucarísticas. Suas visitas ao Santíssimo Sacramento eram frequentes e prolongadas: sinal da familiaridade profunda com Deus de que falava antes.

O terço, sinal da piedade filial de Dom Miguel para com Nossa Senhora, não saia de suas mãos e fazia questão de rezá-lo completo todo dia.

Era sempre disposto a atender os penitentes quando pediam a absolvição dos seus pecados. “Não quero ser castigado por não ter atendido alguém em confissão quando me apresentar diante de Deus”. Passando nas enfermarias do hospital, sempre que era possível, confessava os penitentes; e quando não era possível, incentivava aqueles que não podiam aproveitar da misericórdia de Deus, e aos relapsos não deixava faltar sua reprovação, mas também sua força, encorajamento e conforto.

Mediante a Renovação Carismática Católica, que procurou por muito tempo, teve um grande encontro com o Espírito Santo. O próprio Espírito se tornou inspirador do seu episcopado e fonte de inspiração de todas as iniciativas que realizou. “In Spiritu Sancto” mandou escrever no seu escudo. Tudo, de verdade, fez no Espírito Santo.

Podemos ver este Espírito presente nos treinamentos dos líderes do SERB; nas inúmeras palestras que ministrou a grupos e pastorais; na inspiração formativa para com seus padres e seminaristas; nos livros catequéticos que escreveu; nas discussões com protestantes para convencê-los da verdade do Evangelho.

Dom Miguel é santo? Não foi isso que quis dizer. Pois tal juízo pertence a Deus que o manifesta através de sua Igreja. Eu somente queria dizer que nós bragantinos temos uma enorme dívida de gratidão para com este homem, com este missionário Barnabita, com este bispo. Ao chegarmos aos quatrocentos anos de vida da cidade de Bragança, podemos certamente colocar entre as pessoas ilustres desta cidade, além de dom Eliseu e tantos outros, mais um herói: Dom Miguel.

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