sábado, 3 de setembro de 2011

História da Igreja de São Benedito em Bragança

História da Igreja de São Benedito de Bragança (texto atualizado em 10.02.2022)

Prof. Dário Benedito Rodrigues, historiador, docente da UFPA Bragança

Imagem: Acervo pessoal de Dário Benedito Rodrigues. Foto recebida da Prof.ª Ana Sousa de Oliveira, em 2002.

Num breve estudo sobre os antigos templos em Bragança, percebemos como os negros “optaram” em lutar lado a lado com os senhores para a construção de um espaço de festividade, de um espaço sem tanto conflito, barganhando algumas compensações mesmo continuando escravizados.

Coincidindo com o ciclo de anexação da Amazônia ao contexto colonial, nesses centros de devoção, o culto aos santos trazidos da cultura dominante, europeia, constituiu-se num arcabouço plástico e teatralizado de romarias e autos, procissões e festividades, uma tradição constante nas práticas religiosas do povo.

Todavia, o que os brancos viam como “petição dos irmãos de São Benedito” podia ser mais do que a gestação de uma identidade no mundo do catolicismo popular e da religiosidade. É possível pensar de que modo a população de cor, livre ou escravizada, procurava se articular – mantidas as diferenças de situação – na busca por uma maior autonomia.

Um pouco de história acerca desses na antiga Vila de Bragança pode clarear o entendimento. A Igreja de São João Batista, primeiro templo, resquício das missões anexadoras da região da Capitania do Caeté e do Gurupi, não era capaz de atender às mudanças geográficas e movimentos da população, além de estar em péssimas condições havia muito tempo[i], mesmo sendo um centro de atenção das festas de santo da população e das irmandades da vila, com destaque às festas joaninas.

Com a implantação de outro local de povoamento e colonização ao lado esquerdo do Caeté, foi iniciada a construção de outro templo, cujo orago seria dedicado a Nossa Senhora do Rosário, atendendo à irmandade dos muitos brancos aqui residentes nesta povoação da vila, de forma restrita a estes. A construção se deu provavelmente entre as décadas de 1720 e 1760. E esse novo templo serviria também aos índios que estiveram sob o controle de padres jesuítas e colonos. Isso pode ter sido uma das prerrogativas fundantes para a organização da irmandade anos depois, na comunidade do Vimioso, região limítrofe de Bragança antiga (hoje certamente o bairro da Aldeia) sob o título de São João Batista.

Anos mais tarde, nas últimas décadas do século XVIII, a igreja de São João Batista carecia de reformas urgentes e a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário não possuía tantas condições a ponto de mandar construir um templo. O Ouvidor Geral, Feliciano Ramos Nobre Mourão, a mando do Governador do Grão-Pará, no ano de 1764 e em visita às vilas e povoações do interior, resgatou em suas impressões aspectos da estrutura política, socioeconômica, religiosa e cultural desses lugares, além de fornecer subsídios interessantes para entender o incremento de Francisco Xavier de Mendonça Furtado em 1754 dado a Vila de Bragança, um resultado da antiga capitania doada a Gaspar de Souza, Porteiro-mor da Casa Real e Ourém.

Até então, a Irmandade do Glorioso São Benedito de Bragança existia desde 03 de setembro de 1798 numa ermida – pequena capela construída na lateral da Igreja dedicada a Nossa Senhora do Rosário, na época. Era uma construção relativamente precária, feita de taipa e sem muito conforto. E o trabalho para se comprometer com a construção da Igreja foi árduo, decisivo e desgastante. O primeiro Compromisso de 1798[ii] prevê um pagamento não só dos irmãos de São Benedito, mas a todos os outros cargos da irmandade para que se pudesse erguer o templo (Altar particular) em honra ao Santo Negro, em seu capítulo 7º, que diz:

Para poder subsistir esta devoção, e se possa concervar o culto ao nosso santo, e conseguir se f. (for) premittindo e se assim f. (for) que pelo decurso dos tempos de faça Altar particular para nelle se colocar a sua Imagem, serão obrigados todos os Irmaos a pagarem outenta reis cada hum anno, bem entendido, esta pensão e obrigação nao comprehende ou dous Irmãos brancos, porque fica comotado aquella quantia do anual pelo trabalho e zello com que esperamos satisfação aos deveres daquelles ministerios de Escrivão e Thezoureiro, e este indulto tambem deve valer para os Irmaos Juizes, Juízas, mordomos, e mordomas no anno em que o forem.

Os centros da devoção mais importantes marcaram a história do catolicismo e da religiosidade em Bragança, no caso, o de Nossa Senhora do Rosário e o de São João Batista. Não obstante, desde meados do século XVIII a igreja da padroeira Virgem do Rosário estava no caminho do rio e o local de seus festejos se tornou muito apertado, dado o aumento da urbanização da vila, próximo à orla do Caeté e pelo luxo de leigos católicos que deles participavam.

E assim o foi, do final do século XVIII a meados do século XIX. O culto religioso a São Benedito, por exemplo, foi celebrado em ermidas e oratórios, em cunho leigo e acentuadamente familiar. No Grão-Pará as heranças desse tempo da construção de templo podem ser resgatadas com as impressões de viajantes e de cronistas que passaram descrevendo as situações sociais das práticas religiosas das irmandades e seus conflitos[iii].

Nesses pequenos templos, construídos por particulares, intencionados pelo fervor missionário das ordens religiosas e devotos nem tanto populares (políticos, no caso), é que tais sujeitos expressavam sua fé e sua cultura.

Vários senhores brancos também se filiaram aos quadros da irmandade negra e pode-se deduzir daí um novo controle empreendido na confraria, com uma importância a mais dada ao Santo Negro e a tudo o que era arrolado como joia, donativo e ex-voto para São Benedito e sua irmandade, muito mais do que à padroeira de Bragança, Nossa Senhora do Rosário. Sobre isso, foi Dom Miguel de Bulhões, da ordem religiosa dos dominicanos e com grande devoção a esse título de Maria, que sugeriu à freguesia que o escolhesse como onomástico da posterior paróquia, já elevada à categoria de Vila[iv]. Isso favoreceu a disposição de Nossa Senhora do Rosário como padroeira de Bragança e do orago construído com a ajuda de índios e colonos.

Com relação a Igreja de São Benedito, se encontra um conjunto de normas e legislação que definiram verbas disponibilizadas para sua construção, que autorizavam os gastos, inclusive a renovação desses patrocínios para os irmãos negros. Mas como saber se os investimentos foram realmente implementados com a obra? Não se tem essa informação.

Uma notícia chama a atenção. No ano de 1854, a Câmara Municipal de Bragança era notificada pela Irmandade do Glorioso São Benedito para requisitar o espaço para a construção do templo beneditino, já que a irmandade trabalhava e festejava seu patrono em busca de condição financeira para erguer seu templo, dar mais brilho à festa e cumprir o que estabelecia seu Compromisso fundante.

Assim, buscaram uma colina de largas vistas para ceder o espaço do quadrilátero aos irmãos de São Benedito. O templo dedicado a São Benedito iria ultrapassar os limites do templo de Nossa Senhora do Rosário dos brancos, com mais pompa, mesmo contando com o apoio destes senhores para o alcance de recursos e a autorização de gastos com a construção da igreja. Mais um acordo foi estabelecido, desta vez, em benefício dos negros.

Constam das atas da Câmara que, em 1854[v], os vereadores defeririam o pedido dos negros “logo que a Câmara mande alinhar o quadro da praça serão os supplicantes deferidos”. Uma batalha legal passa a ser travada junto à Presidência da Província para ajudar no custeio da obra. Note-se as sucessivas liberações de verba autorizadas por decretos-lei, investida no ideal da Irmandade de São Benedito: ter um templo e a posse dele.

A nova construção mais larga, mais sólida, mais espaçosa e imponente do que a pequena ermida foi feira a aproximadamente seiscentos metros da antiga, o que despertou o ávido interesse dos brancos senhores da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário para as festas da padroeira.

Vendo então prosperar o seu intento, os irmãos de São Benedito partiram para a aprovação e autorização eclesiástica da construção de seu templo.

“Antes de tudo foi a Irmandade de São Benedito que, em 4 de abril de 1868, solicitou a Dom Antonio Macêdo Costa, Bispo do Pará, a construir em Bragança um templo dedicado a São Benedito”. (GIAMBELLI, 1992, p. 02)

Como a autorização dependia do dito controle eclesiástico, os irmãos de São Benedito pediram o parecer do Vigário de Bragança na época. Depois de vários meses, o frei João da Santa Cruz, Vigário Interino, a 05 de dezembro, deu parecer positivo. Desde a organização urbanística de Bragança, dado o impulso da chamada “indústria da alvenaria”, a nova igreja começou a ficar distante para as comodidades dos senhores e a cidade transferida para a margem esquerda do Caeté, se expandia para oeste.

Os negros estiveram, inclusive, sujeitos a servir de objeto de ganho para o senhor, como no aluguel do escravizado Julião, de Francisco Antônio Belém, que arrecadou grandes quantias com o serviço de negro nas obras do templo, no ano de 1876. Além de tentar encontrar uma solução para dar sustentabilidade a seus intentos, os negros foram alocados para o trabalho na construção da sua igreja.

A verificação dos documentos de tomadas de contas junto a Tesouraria da Irmandade de São Benedito podem informar o quanto arrecadaram os senhores com os escravizados disponíveis para o serviço da construção do templo. Uma dedução é possível fazer: a obra deve ter durado mais de vinte anos até sua finalização, pois o espaço de tempo que se pode observar pelos documentos encontrados perfaz o período de 1854 a 1876, quatro anos antes da troca de oragos entre Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, conforme afirmou a Cronologia Eclesiástica da Amazônia, escrita por Dom Alberto Ramos e publicada em 1952. O novo templo foi concluído por um empreiteiro, José Caetano Pinheiro, em 1872. 

A promessa de manutenção de certa amizade entre brancos e negros foi quebrada justamente aí e sobressaiu o poder de senhores contra subalternos. Forjando o objetivo de ajudar os negros a viabilizarem o seu centro de devoção, os brancos queriam, na verdade, outro espaço para os festejos da Virgem do Rosário, na festa dos senhores, e providenciaram a troca entre os templos no ano de 1872. Esta perda talvez só possa ser entendida e encarada buscando respostas do próprio cotidiano de negação, conflito, subordinação e humilhação a que estava submetida a população negra ligada à devoção a São Benedito.

Um acordo entre as irmandades, extremamente injusto, foi interposto. E Dom Miguel Maria Giambelli, ainda bispo da Diocese de Bragança, relatou em documento inédito de 1992, da permuta entre os dois templos, como sendo de 18 de novembro de 1872, com a autorização do Bispo do Pará. Mesmo que as obras ainda estivessem em conclusão, a posse já estava garantida aos senhores brancos, da Mesa regedora da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário.

O templo no tempo

A construção é datada entre a primeira e a segunda metade do século XVIII, de estilo barroco e herança jesuítica e indígena, única edificação do tipo ainda existente no município, situada no largo e quadrilátero entre a Avenida Visconde do Rio Branco, a Rua General Gurjão e a Travessa Cônego Miguel, nesta cidade. Segundo o Cadastro Municipal, a propriedade do imóvel é das Obras Sociais da Diocese de Bragança (Diocese de Bragança), com as seguintes medições:

- Área total do lote: 741 m².

- Área construída no lote: 560 m².

No Centro Histórico, é um imóvel de importante referência do Patrimônio material, como a única edificação existente deste tipo e com larga importância do Patrimônio imaterial já que é o ponto central das manifestações de culto e devoção a São Benedito, de sua Festividade e da Marujada de São Benedito de Bragança.

Abriga a imponente imagem de São Benedito, esculpida em estilo português, possivelmente datada do final do século XVIII , com mais três imagens pequenas de São Benedito de tamanho menor. Essas imagens são as que percorrem as Regiões circunvizinhas à área urbana de Bragança (Campos, Praias e Colônias), entre os meses de abril e dezembro, no ritual conhecido como Esmolação. Possui um Altar-mor modificado do original, para receber a imagem de São Benedito, além de ornamentação característica e  pinturas em suas paredes e colunas. Este altar é o centro de atenção de fiéis e devotos do Santo Negro.

Tem ainda outras imagens sacras, sendo uma imagem de São João Batista proveniente da antiga Igreja de São João Batista (demolida em 1953, por seu avançado estado de degradação, por ordem do Sr. Augusto Pereira Corrêa, Prefeito Municipal à época, com o consentimento da então Prelazia do Guamá), uma imagem de Nossa Senhora de Fátima, doada pelas famílias portuguesas quando da consagração da Prelazia ao Coração de Maria em 1945, uma imagem de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro vinda da Igreja Catedral de Nossa Senhora do Rosário, na década de 1990 quando da reforma deste templo, uma imagem de São Pedro também proveniente da Igreja de São João Batista, uma imagem do Sagrado Coração de Jesus em gesso de tamanho pequeno e uma imagem do Sagrado Coração de Maria, também em gesso de tamanho pequeno.

Em seu Consistório (ou Sacristia), a Igreja abriga alfaias, paramentos litúrgicos, vestidos do Menino Jesus, bandeiras e estandartes de São Benedito, instrumentos dos grupos de Esmolação, opas, mastros, flores, materiais religiosos de celebração litúrgica, além de equipamentos elétricos e sonoros.

Algumas modificações no prédio da Igreja foram feitas, incluindo a afixação nas paredes de peças e figuras sacras e populares em cimento armado e esculpido na parte interna da Sala anterior à Sacristia, onde está localizado um altar em madeira trabalhada e portal de vidro contendo em seu interior um relicário com cinzas do corpo de São Benedito, doação para Bragança concedida pela ordem dos franciscanos.

Algumas peças em cimento foram afixadas na parte externa da mesma Sala, que dá para a Rua General Gurjão, onde está localizado um velário sobre uma estrutura em alvenaria, disponível para os fiéis e devotos depositarem suas velas, especialmente no período de Finados e durante o ano .

No entorno da Igreja encontram-se o coreto em alvenaria datado de 1960 e onde está o Rex Bar e o barracão da Marujada de 1962, construídos pela extinta Irmandade do Glorioso São Benedito de Bragança. No barracão, são apresentadas as danças da Marujada. Mais à frente, já perto da orla, está o Salão Beneditino, construído na década de 1980 pelo falecido Sr. Moisés Isaac Abdon Braun com doações de fiéis e devotos de São Benedito. Nesse salão são realizados os leilões anuais de bens, víveres, alimentos não-perecíveis, obras de arte, tudo entregue durante a Festividade e durante a Esmolação.

Todo esse conjunto de prédios fez parte do terreno requerido pela Prelazia do Guamá (hoje Diocese de Bragança) em longo processo de reintegração de posse contra a extinta Irmandade do Glorioso São Benedito de Bragança, de 1969 até 1988, cujo desfecho deu ganho de causa à prelazia, passando a ser a proprietária do terreno e do patrimônio.

O imóvel apresenta bom estado de preservação, necessitando de algumas intervenções na torre, nas estruturas da fachada, paredes e rebocos. Possui ainda um característico piso colorido em ladrilho hidráulico. O templo foi tombado ao Patrimônio Histórico Municipal pelo Decreto n.º 228/06 de 04 de outubro de 2006 (Art. 1º, Item I) e pelo Patrimônio Histórico Estadual pelo Ato de 11 de setembro de 2006 (publicado no Diário Oficial do Estado do Pará de n.º 30.762, de 11.09.2006), com o tombamento do polígono incluindo o Complexo da Igreja de São Benedito (Templo, Barracão da Marujada e Coreto), na Praça 1º de outubro.

Notas:


[i] Autos de devassa de 1764 – Códice n.° 145. Correspondência de Diversos com o Governo. Anais do Arquivo Público do Pará, v.3, t.1, 1997, especialmente pp.112 – 115.

[ii] Fonte pesquisada no Instituto Histórico e Geográfico do Pará em 2002 e em escritos do Prof. Armando Bordallo da Silva, pesquisador, folclorista e sanitarista.

[iii] Os trabalhos de Aldrin Moura de Figueiredo a respeito das disputas entre as Irmandades de Belém podem dar melhor embasamento teórico ao desejo de ampliar estas pesquisas, com excelente referencial documental e analítico.

[iv] GIAMBELLI, Dom Miguel Maria. Bragança e seus Templos Católicos. Artigo da Diocese de Bragança, 1993.

[v] Atas da Câmara Municipal de Bragança, de 09.01.1854, p. 82, 2a sessão ordinária, presidida pelo vereador Queiroz.

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