terça-feira, 25 de dezembro de 2012

“O Sonho do Serapião”, por Benedito Cezar Pereira (1963)

 
Serapião Manoel da Mota, era um preto velho muito estimado por toda Bragança. Nunca fora escravo, porque seu nascimento ocorrera depois da Lei Imperial do “Ventre Livre”.
Dedicou-se a domar pôdros, transformando esses cavalos novos em verdadeiros animais de sela, esquiadores, na época em que as magnatas do comércio, industrias e da política partidária, aos domingos, feriados e dia santificados, à tarde, transformavam as nossas vias públicas em pistas de corridas, aparelhados com outros companheiros, todos com seus cavalos vistosos, bem encilhados, ajaezado com bonitos arrêios e selim, vindos da Inglaterra, ou aqui mesmo, caprichosamente, confeccionados, pois nesses remotos tempos o Pará não sabia o que era um jeep, camionete e nem automóvel.
Cada senhor respeitável possuía seu cavalo de sela, bem tratados, na cocheira de Serapião, para seu passeio e corridas domingueiras.
Serapião era muito devoto de São Benedito e fazia parte da Irmandade desse santo tão querido do nosso povo. Na procissão beneditina, envergava, com orgulho a roupa parda dessa irmandade, como também, tomava arte da “Marujada”, ou tocando o tambor, ou também, rodopiando com os demais, tanto nas ruas da cidade, quando a “Marujada” ia para as casas dos juizes da festa, ou vinham para o arraial da Igreja, como na barraca dançava o “lundú”, o “chorado” e o “retumbão”.
Um certo dia de janeiro de 1925, depois da festa do Santo Moreno, que terminava a 26 de dezembro, quando éramos Oficial do Registro Civil de Nascimento, entrou em nosso Cartório, o Serapião. Notamos, ele, pensativo e sério, quando sempre o víamos risonho...
Dando o “bom-dia” costumeiro, o Serapião pediu “um particular”. Queria falar, a sós, conosco. Fomos para o interior do Cartório onde a Serapião explicou-se:
- Tivera, na noite anterior, um sonho. São Benedito apareceu-lhe, abençoou-o e disse: “Serapião, eu gosto muito de ti. Tu és o mais devoto dos meus crentes. Gosto de te vêr na minha “Marujada”. Como tu sabes dançar bem, e como cantas bonito tocando o tambor! Serapião, muda teu nome para Benedito. Olha, a família que tiver um filho com o meu nome, será sempre feliz, porque eu protegerei essa família”.
E São Benedito desapareceu. Serapião afirmou que viu o Santo, já não estava mais dormindo, e que rezou o resto da madrugada toda!
Queria, o Serapião, que nós registrássemos novamente, ele, com o nome de Benedito. Estivera com o Padre Borges de Sales, Vigário da Paróquia, e não conseguira uma retificação no seu batistério, mas, lembrara-se, que nós poderíamos no Registro Civil, atendê-lo nesse seu grande desejo.
Explicamos ao Serapião, abrindo o velhíssimo livro de Termos de Nascimento, que a Lei, considerava imutável o prenome, o que queria dizer: não pode ser mudado. Mas, no assento do nascimento dele, de vez, que, antigamente, eram os registros feitos somente com o prenome de registrando, não sendo exigido o nome sobrenome, ele poderia requerer ao juiz de Direito, não retificação, mas que mandasse averbar, no termo de Nascimento dele, para que figurasse depois do prenome Serapião, o nome Benedito e o sobrenome Mota, não usando mais o nome de Manoel.
Alegremente, pediu que fizéssemos a petição e está assinada e junta a certidão onde constava somente o prenome Serapião, ele mesmo levou ao Juiz, Dr. Borborema, que deferiu.
Depois de averbado no Termo a adoção do nome Benedito e sobrenome Mota, o Serapião já sorridente, levou a certidão onde já constava o que ele queria e também a São Benedito:
Serapião Benedito da Mota!
- E, de fato, foi sempre feliz, na sua humildade de preto velho, o Serapião Benedito da Mota que criou seu filho Hilário Benedito da Mota, no mesmo ofício de domador de pôbro, ensinando cavalo chotão a esquipador.

Fonte: CEZAR PEREIRA, Benedito. Sinopse da História de Bragança.
Belém: Imprensa Oficial, 1963. p. 221-223.
Foto: Acervo de pesquisa.

3 comentários:

  1. Essas histórias engrandecem nossa tão amada festa e nosso amor por este santo preto.

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  2. Foi muito bom pra mim conhecer a história de vida do Preto Serapiao, trabalho com este velhos nunca tinha ouvido falar dele, para mim é uma frota efetiva da minha espiritualidade. Grato pelo Blog

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  3. Então se tem o preto velho Serapião e Benedito?
    São pretos velhos diferentes?
    Pois não conhecia o Preto velho Serapião

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