Faz um mês que
os tans-tans dos tambores e o ruído da onça avisam que São Benedito está nas
esmolas. E o ruído desses instrumentos atravessa rios, corta estradas, penetra
lares, na prática que o tempo não consegue destruir. Vão passando os promesseiros
na sua missão. Arrecadam aquilo que a boa vontade da nossa gente lhes dá. Tudo
vem. A galinha gorda e o pato roliço. O peru avantajado e o franguinho que muda
as primeiras penas.
No dia 25,
véspera do Santo Preto, virá mais. O molho de fumo preparado com todo carinho
da melhor folha. O poldro, que escapou da peste e o garrote que não morreu de
sede. A farinha gostosa feita da mandioca amarelinha. O pé de cravo que vem das
praias, o crisântemo ou monsenhor, cultivado no paneirinho do girau do lado do
poço, a catinga de mulata e as pitombas, as deliciosas pitombas que aparecem
sempre nesse tempo. Tudo é esmola. Tudo tem valor. Tudo é dado de bom gosto. E,
por isso tudo dá dinheiro. Ninguém regateia preço, é p’ra São Benedito.
E as marujas
se enfeitam. Saias encarnadas e azuis. Blusinhas brancas, de rendas. Chapéus de
fitas das mais variadas cores, penas de garça e de guará, miçangas e vidrilhos,
espelhos e contas. Tudo matizado, tudo alegre. O retumbão se ensaia. A capitoa
comanda a turma. Reminiscência do passado. Santa ingenuidade que não faz mal a
ninguém. O intuito vale tudo. É a homenagem a São Benedito. E elas vão
passando, a viola tocando, a cuíca roncando, girando, volteiando, tudo para
agradar São Benedito. Resto de africanismo. Bragança negróide, disse o poeta
Heimar Tavares, um pedaço gostoso do passado. A única tradição que nos resta do
passado, desse passado que era tão bom e que sangra saudades no coração da
gente.
A civilização
acha que devemos acabar com isso. Não achamos. Devemos manter. A civilização
com seus modernismos faz muito maior mal à humanidade do que a pobre marujada.
Por que, pois, não acabar com os modernismos que a civilização criou e tão
prejudiciais são? Porque? Por que ninguém se bate contra certas novidades tão
maléficas? Viva, pois, o passado. Vivam as nossas tradições, viva a marujada,
viva São Benedito! São Benedito é o grande esperado. P’ra ele toda esta festa,
toda esta alegria, todas essas marujas que levam o ano todo juntando os
centavos para a grande festa do grande esperado: São Benedito.
Vinte e seis
de dezembro é dia grande. Dia grande de verdade. Dia de festa. Feriado sem lei.
Não precisa. Todo o mundo sabe. Todo o bragantino deixa de trabalhar. A
folhinha não é encarnada. Não precisa. Encarnada é a fita que as marujas trazem
nos chapéus. Encarnado é o coração de toda aquela gente cheia de fé e de tanta
devoção. Encarnada é a folhinha que não existe, mas é, porque está no coração.
E o grande
Esperado, que é São Benedito, está no coração encarnado de toda essa gente que
mora e trabalha, luta e sofre no grande vale do Rio Caeté. Quem quiser venha
ver, quem não quiser também venha. Aqui existe um feriado que ninguém decretou,
que o governo não manda cumprir. É o feriado do coração. O povo foi que
decretou.
“26 de dezembro”
– O dia do grande Esperado – São Benedito.
Fonte: SILVEIRA,
Joaquim Lobão da. “O Esperado”.
In: Bragança Ilustrada. Bragança (PA). n.
9/10, 1952. p. 78
Foto: Dário Benedito
Rodrigues. Fonte: Acervo pessoal
(2009)
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