terça-feira, 25 de dezembro de 2012

“O Esperado”, por Joaquim Lobão da Silveira (1952)



Faz um mês que os tans-tans dos tambores e o ruído da onça avisam que São Benedito está nas esmolas. E o ruído desses instrumentos atravessa rios, corta estradas, penetra lares, na prática que o tempo não consegue destruir. Vão passando os promesseiros na sua missão. Arrecadam aquilo que a boa vontade da nossa gente lhes dá. Tudo vem. A galinha gorda e o pato roliço. O peru avantajado e o franguinho que muda as primeiras penas.
No dia 25, véspera do Santo Preto, virá mais. O molho de fumo preparado com todo carinho da melhor folha. O poldro, que escapou da peste e o garrote que não morreu de sede. A farinha gostosa feita da mandioca amarelinha. O pé de cravo que vem das praias, o crisântemo ou monsenhor, cultivado no paneirinho do girau do lado do poço, a catinga de mulata e as pitombas, as deliciosas pitombas que aparecem sempre nesse tempo. Tudo é esmola. Tudo tem valor. Tudo é dado de bom gosto. E, por isso tudo dá dinheiro. Ninguém regateia preço, é p’ra São Benedito.
E as marujas se enfeitam. Saias encarnadas e azuis. Blusinhas brancas, de rendas. Chapéus de fitas das mais variadas cores, penas de garça e de guará, miçangas e vidrilhos, espelhos e contas. Tudo matizado, tudo alegre. O retumbão se ensaia. A capitoa comanda a turma. Reminiscência do passado. Santa ingenuidade que não faz mal a ninguém. O intuito vale tudo. É a homenagem a São Benedito. E elas vão passando, a viola tocando, a cuíca roncando, girando, volteiando, tudo para agradar São Benedito. Resto de africanismo. Bragança negróide, disse o poeta Heimar Tavares, um pedaço gostoso do passado. A única tradição que nos resta do passado, desse passado que era tão bom e que sangra saudades no coração da gente.
A civilização acha que devemos acabar com isso. Não achamos. Devemos manter. A civilização com seus modernismos faz muito maior mal à humanidade do que a pobre marujada. Por que, pois, não acabar com os modernismos que a civilização criou e tão prejudiciais são? Porque? Por que ninguém se bate contra certas novidades tão maléficas? Viva, pois, o passado. Vivam as nossas tradições, viva a marujada, viva São Benedito! São Benedito é o grande esperado. P’ra ele toda esta festa, toda esta alegria, todas essas marujas que levam o ano todo juntando os centavos para a grande festa do grande esperado: São Benedito.
Vinte e seis de dezembro é dia grande. Dia grande de verdade. Dia de festa. Feriado sem lei. Não precisa. Todo o mundo sabe. Todo o bragantino deixa de trabalhar. A folhinha não é encarnada. Não precisa. Encarnada é a fita que as marujas trazem nos chapéus. Encarnado é o coração de toda aquela gente cheia de fé e de tanta devoção. Encarnada é a folhinha que não existe, mas é, porque está no coração.
E o grande Esperado, que é São Benedito, está no coração encarnado de toda essa gente que mora e trabalha, luta e sofre no grande vale do Rio Caeté. Quem quiser venha ver, quem não quiser também venha. Aqui existe um feriado que ninguém decretou, que o governo não manda cumprir. É o feriado do coração. O povo foi que decretou.
“26 de dezembro” – O dia do grande Esperado – São Benedito.

Fonte: SILVEIRA, Joaquim Lobão da. “O Esperado”.
In: Bragança Ilustrada. Bragança (PA). n. 9/10, 1952. p. 78
Foto: Dário Benedito Rodrigues. Fonte: Acervo pessoal (2009)

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