Maria Valtorta[iii]
“Jesus! Jesus! Onde estás? Me ouves ainda? Ouves tua pobre Mãe que
grita, agora, o teu Nome santo e bendito, após tê-lo guardado no coração por
tantas horas? O teu Nome santo, que foi o meu amor, o amor dos meus lábios, que
experimentaram sabor de mel ao pronunciar que bebem o amargor que ficou em teus
lábios. O amargo da atroz mistura.. o teu Nome, amor do meu coração que se
enchia de alegria quando o pronunciava, assim como se dilatara para extravasar
seu sangue e receber-te e recobrir-te de si mesmo, quando desceste a mim do
Céu, tão pequenino, tão minúsculo, que terias conseguido pousar no cálice da
hortelã selvática.
Tu, tão grande, Tu, o potente aniquilado num germe humano para a saúde
do mundo. O teu Nome, dor do meu coração agora que te arrancaram aos afagos de
tua Mãe, para jogar-te entre os braços dos algozes, que te torturaram até a
morte. Tenho o coração despedaçado por causa deste Nome que tive que guardar
dentro de mim por tantas horas e que mais aumentava o seu grito na proporção
que mais aumentava a tua dor, até arrebentá-lo, como coisa amassada pelo pé de
um gigante. Oh! Sim que a minha dor é gigante e me esmaga, me despedaça e não
há nada que a possa aliviar. Para quem eu pronuncio o teu Nome? Nada responde
ao meu grito. Ainda que eu gritasse, até despedaçar a pedra que fecha o teu
sepulcro, Tu não ouvirias, porque estás morto. Não ouves mais a tua Mãe?
Quantas vezes não te chamou, ó Filho, nestes trinta e quatro anos![iv] Desde
quando soube que deveria ser Mãe e que o meu pequenino se teria chamado
‘Jesus’! Tu não tinhas nascido e eu, acariciando o ventre, onde Tu crescias,
sussurrava com carinho: ‘Jesus’, e me parecia que Tu te mexias para dizer-me:
‘Mamãe’. Eu te dava já uma voz, já a sonhava, a Tua voz. Ouvia-a antes que
fosse. E quando a ouvi, tênue como a de um cordeirinho recém-nascido tremer na
noite fria em que nasceste, eu conheci o abismo da alegria... e acreditei de
ter conhecido o abismo da dor porque era o pranto da minha Criatura que tinha
frio, que estava desagalhada, que chorava o seu primeiro pranto de Redentor e
eu não tinha fogo nem berço e nem podia sofrer em teu lugar, ó Jesus. Não tinha
que o seio para fogo e travesseiro e o meu amor para adorar-te, meu Filho
Santo.
Pensava de ter experimentado o abismo de dor... Era tão somente o
alvorecer daquela dor, era o princípio. Agora é meio dia. Agora é o extremo da
dor. Este é o abismo, este que toco agora, após ter descido nestes trinta e
quatro anos, empurrada por tantas coisas e hoje prostrada no fundo horrendo da
Tua Cruz.
Quando eras pequenino, eu te embalava, cantando: ‘Jesus! Jesus!’ qual
harmonia mais santa e linda do que este Nome, que faz sorrir os anjos do Céu?
Ele para mim era mais lindo que o canto, tão doce, dos anjos da noite do teu
Natal. Enxergava nele o Céu, todo o Céu via através daquele Nome. E agora, ao
dizê-lo a Ti que és morto e não me respondes, como se Tu nunca tivesse
existido, eu vejo o Inferno. Eis: agora compreendo o que quer dizer ser danado.
É não poder mais dizer: ‘Jesus!’ Horror! Horror! Horror!...
Quanto durará este Inferno para a Tua Mãe? Tu o disseste: ‘Depois de
três dias reedificarei este Templo’. É o dia todo que estou repetindo estas
Tuas palavras, para não cair morta, para estar pronta a te saudar quando da Tua
volta, e servir-te ainda... Mas como poderei suportar que Tu permaneças morto
por três dias? Três dias na morte, Tu, Tu, minha vida?
Mas como? Tu que sabes tudo porque és Sabedoria infinita, não conheces o
espasmo de tua Mãe? Não to podes imaginar, recordando quanto te perdi em
Jerusalém e Tu me viste romper a multidão que te rodeava, com o rosto de uma
náufraga que toca a terra após tanta luta com as ondas e com a morte, com o
rosto de uma que sai de uma tortura cansada, dessangrada, envelhecida,
alquebrada? Mas naquela ocasião podia pensar que fosses unicamente perdido.
Podia me iludir que era só assim. Hoje, não. Hoje, não. Sei com certeza que
estás morto. Não é possível a ilusão. Eu te vi ser morto. Eis: também se a dor
me desmemorasse, eis aqui o teu Sangue, sobre o meu véu, que me diz: ‘Está
morto! Não há mais sangue! Este é o último, jorrado do seu Coração!’ Do seu
Coração! Do coração do meu Menino. Do meu Filho! Do meu Jesus! Oh! Deus! Deus
piedoso, não me faças recordar que lhe partiram o Coração...
Jesus, não posso ficar aqui sozinha, enquanto Tu estás sozinho lá. Eu
que nunca amei as estradas do mundo e as multidões, e Tu bem o sabes, desde
quando Tu deixaste Nazaré vim sempre mais ao teu encalço, para não viver longe
de ti. Enfrentei curiosidades e escárnios; não enumero os cansaços porque eles
se dissipavam ao encontrar-Te, para conseguir viver onde Tu estavas. E agora
estou aqui sozinha. E Tu estás lá sozinho. Por que não me deixaram no teu
sepulcro? Teria me sentado perto o teu gélido leito, segurando a tua mão nas
minhas, para te fazer sentir que estava perto de ti... Não, para eu sentir que
Tu estavas perto. Tu que não sentes mais nada. Estás morto!
Quantas vezes passeis às noites perto do teu berço, orando, amando,
inebriando-me de Ti. Queres que eu te diga como dormias, as mãozinhas fechadas
como dois botões de flor perto do rostozinho santo? Queres que eu te diga como
sorrias sono e, lembrando-te certamente do leite da Mamãe, dormindo, fazias o
festo de chupar? Queres que eu te diga quando te despertavas e abri os olhinhos
e rias, vendo-me curvada sobre o teu rosto, e tendias as mãozinhas com alegria
impaciente por ser carregado e com um gritozinho doce como um trilo de um
toutinegra, reclamavas a tua comida? Oh! Como me sentia feliz quando te
agarravas ao meu seio e sentia a tepidez lisa das tuas faces, as carícias das
tuas mãozinhas sobre o meu seio!
Não sabias ficar sem a tua Mamãe. E agora estás sozinho! Perdoa-me,
Filho, de ter-te deixado só. De não me ter rebelado pela primeira vez na minha
vida e ter resolvido ficar lá; era o meu lugar. Ter-me-ia sentido menos
desolada, se tivesse ficado perto do teu fúnebre leito, para te ajeitar as
faixas como outrora e mudá-las... Também se Tu não tivesses tido a
possibilidade de me sorrir e me falar, eu teria tido a impressão de possuir-te
ainda pequenino. Teria te amparado sobre o coração, para não te fazer sentir o
frio da pedra, a dureza do mármore. Não te segurei também hoje? O colo materno
é sempre capaz de receber o Filho também se já é homem. O filho é sempre uma
criança para a sua mãe, também se é descido de uma cruz, coberto de chagas e
feridas.
Quantas! Quantas feridas! Quanta dor! Oh! O meu Jesus, o meu Jesus tão
ferido! Ferido! Assim! E desta maneira morto! Não. Não. Senhor, não! Não pode
ser verdade! Eu estou louca! Jesus, morto? Eu estou delirando, Jesus não pode
morrer! Sofrer, sim. Morrer, não. Ele é a Vida! Ele é o Filho de Deus. É Deus.
Deu não morre.
Não morre? E então por que se chamou de ‘Jesus’? Que quer dizer ‘Jesus’?
Quer dizer... Oh! Quer dizer: ‘Salvador’! Morreu! Morreu, porque é o Salvador.
Teve que salvar a todos, perdendo a Si mesmo... Não deliro, não. Não estou
louca. Não. Se o fosse! Sofreria menos! Ele morreu. Eis o seu Sangue. Eis a sua
coroa. Eis os três pregos: com estes, com estes, mo transfixaram!
Homens, olhar com que transfixastes a Deus, ao Filho meu! E vos devo
perdoar. E vos devo amar. Porque Ele vos perdoou. Porque Ele me disse de voz
amar! Fez-me vossa Mãe, Mãe dos assassinos da minha Criatura! Uma de suas últimas
palavras, lutando contra o estertor da agonia... ‘Mãe, eis o teu filho... os
teus filhos’. Também se eu não fosse Aquela que obedece, teria que obedecer
hoje, porque é a ordem de um moribundo.
Eis. Eis. Jesus, eu perdoo. Eu os amo. Ah! Mas se despedaça o coração
neste perdão, neste amor! Me ouves, que os perdoo e que os amo? Oro por eles.
Eis: oro por eles... Fecho os olhos, para não ver estes objetos de tua tortura,
para os poder perdoar, para os poder amar, para poder rezar por eles. Cada
perigo serve para crucificar toda a minha vontade de não perdoar, de não amar,
de não orar pelos teus carrascos.
Devo, quero pensar de estar perto do teu berço. Também naquela
oportunidade rezava pelos homens. Mas lá era fácil. Tu estavas vivo e eu,
porquanto julgasse cruéis os homens, nunca teria chegado a pensar que pudessem
sê-lo Contigo, que os havia beneficiado acima do limite. Orava, convicta de que
a tua Palavra os teria tornado bons. No meu coração dizia-lhes, fitando-os:
‘Sois maus, doentes, agora, irmãos. Mas daqui a pouco Ele falará, mas daqui a
pouco Ele vencerá em vós o Satanás. Dar-vos-á a vida perdida!’ A vida perdida!
Tu, Tu, Tu, a perdeste, a vida por eles. Jesus meu! Se quando estavas no berço,
eu tivesse conseguido ver o horror deste dia, o meu doce leite teria se mudado
em tóxico pela dor! Simeão o dissera: ‘Uma espada te transpassará o coração’.
Uma espada? Uma multidão de espadas! Quantas feridas te fizeram, Filho? Quantos
gemidos tiveste? Quantos espasmos? Quantas gotas de sangue verteste? Pois bem.
Cada uma é uma espada para mim. Sou um emaranhado de espadas. Em Ti não tem um
pedaço de pele que não seja chagado. Em mim não há um que não seja transfixado.
Transpassaram-me as carnes e penetram-me coração a dentro.
Quando esperava o teu nascimento, preparava para ti as faixas e os
linhos, fiando o linho mais mórbido da terra. Não olhei ao preço, para poder
possuir os fios mais macios. Como eras lindo nas roupinhas de tua Mamãe! Todos
me diziam: ‘É linda a Tua criancinha, Mulher!’ Eras lindo! Do alvor do linho
emergia o réu róseo rostinho. Tinhas dois olhinhos mais azuis que o Céu, e a
cabecinha parecia envolvida numa neblina de ouro, tanto os teus cabelinhos eram
louros e mórbidos. Tinham o sabor da amendoeira ao desabrochar. Pensavam que eu
te perfumasse. Não. O meu tesouro não tinha que o perfume das roupinhas lavadas
pela Mamãe, esquentadas, beijadas pelo seu coração e pelos seus lábios. Nunca
me cansava de trabalhar par Ti.
E agora? Não tenho mais nada para fazer por Ti. Há três anos estavas
longe de casa. No entanto eras ainda a razão dos meus dias. Pensar em Ti. Nas
tuas vestes. Na tua comida: misturar a farinha para fazer o pão, cuidar das
abelhas para preparar-te o mel, tratar as árvores para que dessem os frutos.
Como amavas as coisas que a tua Mãe te levava! Nenhuma comida de mesa abastada,
nenhuma veste de fazenda preciosa tinha para Ti valor como estas tecidas,
cosidas, cuidadas, colhidas pelas mãos de tua Mãe. Quando me chegava a Ti, tu
me olhavas logo as mãos, como quando eras pequenino e eu e José dávamos
modestos presentes para te fazer sentir que eras o nosso Rei. Nunca foste
guloso, meu pequenino, mas eras o amor que tu procuravas, era esta a tua comida
e nos nossos cuidados o encontravas. Agora também encontravas, procuravas
aquilo, pobre Filho meu, tão pouco amado pelo mundo!
Agora mais nada. Tudo está acabado. Nada mais fará por Ti a tua Mãe. Não
precisas mais de nada... Agora estás sozinho... E eu estou sozinha... Oh! Feliz
José que não alcançou este dia. Oh! Se eu também não o tivesse alcançado! Mas
se assim fosse Tu não terias experimentado nem sequer este conforto de ver a
tua pobre Mãe. Terias ficado sozinho na cruz, como estás sozinho no sepulcro.
Sozinho com as tuas feridas.
Oh! Deus! Deus, quantas feridas tem o Teu Filho, o meu Filho! Como
consegui vê-las, sem morrer eu, que desfalecia quando tu, criancinha, te
machucavas?! Mas eu, que me sentira morrer vendo gotejar o teu Sangue na
circuncisão – e José teve que me sustentar porque tremia como um que está à
morte – me parecia que aquela pequenina ferida te fosse fatal, e a curei mais
com o pranto que com a água e o azeite, e não me acomodei senão quando o sangue
cessou.
Uma outra vez aprendias a trabalhar e te feriste com o serrote. Não tive
sossego senão quando, após seis dias, vi sarada a tua mão. E agora? E agora?
Agora tens as mãos, os pés, o lado aberto, agora a tua carne cai aos pedaços, e
tens o rosto contundido, aquele Rosto que eu não ousava tocar com o meu beijo,
e chagada tens a testa e a nuca. E ninguém te deu remédio e conforto.
Olha para o meu coração, ó Deus, que me feriste na minha Criatura! Olha-o!
Não está chagado como o Corpo do Filho meu e Teu? Os flagelos se abateram como
granizo sobre Mim, enquanto estava sendo golpeado. Que é a distancia para o
amor? Eu sofri as torturas de meu Filho! Antes eu as tivesse sofrido sozinha!
Antes estivesse eu sobre a pedra sepulcral! Olha para mim, ó Deus! Não goteja
sangue o meu coração? Eis a marca dos espinhos. Sinto-a. é um laço que me
aperta o coração e o perfura; eis o buraco dos pregos: três estiletes fincados
no coração.
Oh! Aqueles golpes! Aqueles golpes! Como não desabou o céu por aqueles
golpes sacrílegos nas carnes de Deus? E não poder gritar! Não poder gritar! Não
poder me lançar para arrancar a ama aos assassinos e fazer da mesma uma defesa
para a minha Criatura moribunda! Mas se obrigada a ouvi-los, ouvi-los e não
poder fazer nada! Uma pancada sobre o prego, e o prego entrava nas carnes
vivas. Uma outra pancada, e entra mais ainda. Uma outra e uma outra e se
despedaçam os ossos e os nervos e é transpassada a carne do meu Menino e o
coração de sua Mãe.
E quando te levantaram sobre a Cruz? Quanto deves ter sofrido, Filho
Santo! Vejo ainda lacerar-se a tua mão nos solavancos do infixamento. Tenho o
coração lacerado igual a ela. Estou contundida, lacerada, flagelada, pungida,
ferida, transpassada como Tu. Não estava contigo sobre a cruz. Mas olha-a, a
tua Mãe! Está diferente de Ti? Não. Não há diferença de martírio. Aliás o Teu
acabou. O meu dura ainda. Tu não ouves mais as acusações falsas: eu as ouço. Tu
não ouves mais as blasfêmias horrendas. Eu as ouço ainda. Tu não sentes mais a
mordedura dos espinhos e dos pregos, e a sede e a febre. Eu estou repleta de
pontas de fogo e sou como quem morre de ardências e de delírio.
Ao menos me tivessem deixado te oferecer uma só gota de água! O meu
pranto, quando a ferócia dos homens se negava a dar ao Criador a água por Ele
criada. Dei-te tanto leite, porque éramos pobres, Filho meu, e na fuga para o
Egito tínhamos perdido quase tudo, e tivemos que refazer um teto, uns móveis e
vestes e comida, e nem sabíamos quando o desterro teria durado, e nem quando
teríamos achado voltando ao Lar. Amamentei-te além do tempo costumeiro para que
Tu não sentisses falta de alimento. Até que não conseguimos uma cabrita, a tua
cabrita fui eu, menino da tua Mãezinha. Tu já possuías tantos dentinhos e
mordidas... Oh! Alegria em te ver contente nas brincadeiras infantis! Tu
querias caminhar. Eras tão sadio e forte. Eu te sustentava por hora e horas e não
sentia qualquer cansaço em ficar curvada sobre Ti que fazias os teus passinhos,
e dizias a cada passo: ‘Mamãe! Mamãe!’ Oh! Felicidade ao ouvir cantar aquele
nome!
Hoje também o dizias: ‘Mamãe, Mamãe!’ Mas a tua Mãe não podia senão
verte morrer. Nem sequer podia te acariciar os pés! Os pés? Oh! Não teria tido
ânimo de tocá-los, também se estivessem ao alcance da minha mão, para não
aumentar o tormento. Como deviam sofrer os teus pobres pés, ó meu Jesus!
Tivesse conseguido subir na cruz e colocar-me entre o madeiro e o Teu Corpo, e
impedir que nas convulsões e agonia Tu batesse contra o lenho! Sinto-a ainda, a
tua Cabeça batendo na cruz nos últimos estremecimentos. E aquele barulho,
aquele barulho me enlouquece. Guardo-o na cabeça como um martelo.
Volta, volta, Filho querido, Filho Santo! Eu morro. Eu não suporto esta
minha desolação. Mostra-me novamente o teu rosto. Chama-me ainda. Eu não posso
te imaginar sem voz, sem olhar, reduzido a despojos frios e sem vida! Oh! Pai,
socorre-me Tu. Jesus não me ouve! Não acabou a Paixão? Não está tudo
completado? Não bastam estes pregos, estes espinhos, este sangue, este pranto?
Algo mais ainda é preciso para salvar o homem?
Pai, estou te elencando os instrumentos da sua dor e o meu pranto. Mas
isto é o menos. Aquilo que o fez morrer angustiado sobrehumanamente foi o Teu
abandono. Aquilo que me arranca um grito do meu coração é o Teu abandono. Não
te sinto mais. Onde estás, Pai Santo? Eu era a ‘Cheia de Graça’. O Anjo o
disse: ‘Ave Maria, Cheia de Graça, o Senhor é contigo e Tu és bendita entre
todas as mulheres’. Não. Não é verdade! Eu sou como uma maldita por Ti pelo seu
pecado. Tu não estás mais comigo. A Graça se retirou, como se eu fosse uma
segunda Eva pecadora. Mas eu sempre te fui fiel. Em que te desagradei? Fizeste
os anjos mentir? E Ana, que me assegurou que Tu me darias o teu anjo na hora da
dor? Estou sozinha. Não encontro mais Graça aos teus olhos; não te possuo mais,
Graça, em mim. Não possuo mais o Anjo. Mentem, pois os Santos? Em que te
contristei, se eles mentem e eu mereci esta hora?
E Jesus? Em que falhou o teu Cordeiro puro e manso? Em que te ofendemos
para que, além do martírio dado pelos homens, tenhamos que experimentar a
tortura incalculável do teu abandono! Mas Ele, Ele que te era Filho e que te
chamava com aquela voz que fez estremecer a Terra e se sacudir num soluço de
compaixão! Como tem foi possível deixá-lo sozinho em tanto tormento?
Pobre Coração de Jesus, que te amava tanto! Onde está o sinal da ferida
do coração? Ei-lo. Olha, Pai, para este sinal. Aqui está a marca da minha mão,
penetrada no sulco aberto pela lança. Aqui... Aqui... Não o cancelam o pranto e
nem o beijo da Mãe, que tem os olhos ardendo e os lábios consumidos pelo chorar
e pelo beijar. Este sinal grita e admoesta. Este sinal grita a Ti da Terra mais
do que o sangue de Abel, e Tu, que maldisseste a Caim e o vingaste, não
interviste em favor do meu Abel, já dessangrado pelos seus Cains, e permitiste
o último ultraje! Tu lhe esmagaste o coração com o Teu abandono e deixaste que
um homem o desnudasse para que eu visse e fosse esmagada. Mas para mim nada
exijo. É para Ele, para Ele que te peço e te intimo a responder. Não devias...
Não devias... Oh! Perdão, Pai! Perdão, Pai Santo! Perdoa a u’a Mãe que
chora a sua Criatura... Está morto! Está morto o Filho meu! Morto com o coração
dilacerado. Oh! Pai, pai, piedade! Eu te amo! Nós sempre te amamos e Tu tantos
nos amastes. Como permitiste que fosse ferido o Coração do nosso Filho? Oh!
Pai!... Piedade de uma pobre mulher. Eu estou delirando. Pai. Eu sou Tua, teu
nada, e tenho a ousadia de te repreender! Piedade! Foste bom. A ferida, a única
ferida que não fez mal, é esta.
O teu abandono serviu para fazê-lo morrer antes do fim do dia, para
evitar-lhe outras torturas. Foste bondoso. Tudo tu fazes visando beneficiar.
Somos nós criaturas, que não compreendemos. Foste bondoso. Bondoso Tu foste!
Pronuncia, sempre te amou, ó minha alma. Do berço até agora, sempre te amou.
Deu-te todo o gozo do tempo. Todo. Deu-te a Si próprio. Foi bom, bom, bom.
Obrigada, Senhor, que Tu sejas bendito pela Tua infinita bondade.
Obrigada, Jesus: agradeço também
a Ti! Eu somente a senti no meu, quando vi o teu Coração aberto. Agora está no
meu coração a Tua lança, e remexe e estraçalha. Mas é melhor assim. Tu não a
sentes mais.
Mas Jesus, piedade! Um sinal de Ti! Uma carícia, uma palavra para a Tua
pobre Mamãe, que tem o coração despedaçado! Um sinal, um sinal, Jesus, se
queres me achar viva quando voltares.
Notas:
[i] 11º Capítulo
do livro, às páginas 119-124. Imagens do filme “A Paixão de Cristo”, (The Passion of the Christ). Drama
bíblico. EUA/ITA: 2004. Direção: Mel Gibson. Organização do Prof. Dário
Benedito Rodrigues (Bragança/PA).
[ii] Tradução de
uma parte da obra italiana intitulada “O Poema do Homem-Deus” (Casa Editora
Emilio Pisani, de Isola del Liri, Itália), que corresponde aos últimos 19 capítulos
do nono aos primeiros 6 capítulos do décimo volume. A obra completa encontra-se
em 10 volumes conhecidos como “O Evangelho como me foi revelado”. O Papa Pio
XII a leu e em audiência privada em 26 de fevereiro de 1948 autorizou a sua
publicação. Os escritos de Valtorta passaram por diversas controvérsias,
incluindo uma possível colocação no Índex da Igreja Católica. Esta tradução foi
feita pelo ainda Monsenhor Miguel Maria Giambelli CRSP (1920-2010), já
Administrador Apostólico da Prelazia do Guamá, e apresentada em 23 de março de
1978, numa Quinta-feira Santa. Teve o Imprimatur redigido por Dom Alberto Gaudêncio Ramos, Arcebispo
Metropolitano de Belém, em março de 1978. Um texto de apresentação nas folhas
de capa do livro, escrito por Dom Eliseu Maria Coroli CRSP (1900-1982)
incentiva a leitura do poema. O texto foi atribuído a revelações privadas,
visões e ditados do próprio Deus que a autora teve durante sua vida. A obra foi
composta a partir de 1943 até 1951, em 15 mil páginas manuscritas em 122 cadernos,
que depois foram datilografadas e que circularam na Itália até sua primeira
edição.
[iii] Maria Valtorta
nasceu em Caserta, na região da Campânia, Itália, em 14 de março de 1897. Tendo
completado seus estudos, tornou-se enfermeira samaritana e serviu durante a
Primeira Guerra Mundial num hospital de feridos de guerra, em Florença, na
Itália. Neste lugar, em 17 de março de 1920, aos 23 anos, enquanto andava pela
rua, foi violentamente golpeada nas costas, à altura dos rins, com uma barra de
ferro, por um delinquente, o que lhe provocou a paralisia nos membros
inferiores e constantes dores que a acompanharam até o fim da vida,
permanecendo acamada desde 1934. Faleceu em 12 de outubro de 1961. Foi
considerada, por um filósofo, teólogo e renomado mariologista, Padre Gabriel M.
Roschini, professor da Universidade Pontifical Laterana de Roma, como umas mais
dezoito maiores místicas de todos os tempos.
[iv] Nota do
Tradutor: Trinta e quatro anos, não porque Jesus tenha vivido 34 anos, mas porque
Maria vos acrescenta os nove meses da gestação.
Lindo de mais!
ResponderExcluirNossa, que leitura gostosa e reflexiva. Adorei e cheguei a me emocionar na maior parte do texto, pois imaginei o sofrimento e cada momento vivido, seja ele bom ou ruim. Só as mães de verdade sabem o que é gerar, criar, educar e perder um filho, "Bendita és tu entre as mulheres", amo nossa Mãe do Céu e sempre amarei. Agradeço novamente a indicação e lembrança.
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