O ritual de Esmolação, parte componente do chamado Ciclo de São Benedito (Festividade e Marujada) e um dos rituais mais antigos no processo histórico de constituição da devoção beneditina em Bragança, se inicia em meados do mês abril com a saída das Comitivas para o interior do município. Consiste na peregrinação de três imagens de São Benedito, que partem em comitiva em visitação a casa de fieis do meio rural. Essas visitas são feitas a pedido do próprio devoto que deseja pagar uma promessa por graças alcançadas. Além de receber a comitiva, o promesseiro pode oferecer-lhe donativos. O deslocamento das comitivas é feito principalmente a pé, seguindo roteiro determinado.
Antes da partida, há uma cerimônia religiosa na Igreja de São Benedito, na qual o Vigário da Paróquia de Nossa Senhora do Rosário, catedral diocesana de Bragança, faz uma leitura e das recomendações do Compromisso da Esmolação, que é depois assinado e confirmado por todos os membros das comitivas. Em seguida, esses esmoleiros e o padre dirigem-se para o altar-mor para a benção das três imagens. Terminadas as cerimônias, as comitivas partem em cortejo pelas ruas, a pé, seguindo para as casas onde realizaram os rituais de canto, reza e folia.
Três Comitivas trabalham na Esmolação, sendo a Comitiva de São Benedito dos Campos, que percorre toda a região dos campos naturais de Bragança e Tracuateua; a Comitiva de São Benedito da Colônia, que percorre a região das colônias; e a Comitiva de São Benedito das Praias, que percorre as regiões litorâneas bragantinas, praias vizinhas, comunidades do litoral atlântico e da bacia hidrográfica do Caeté.
Cada Comitiva é composta por cerca de doze esmoleiros, que obedecem a uma hierarquia de cargos e funções. Estas funções podem ser trocadas por ordem do encarregado que coordena os trabalhos do grupo. O grupo é formado apenas por homens adultos, que passam até oito meses longe de suas famílias, movidos pelo pagamento de promessa e pela devoção a São Benedito. A andança com a imagem do Santo é marcada por duas etapas distintas que passam a ser o cotidiano dos esmoleiros: o deslocamento de uma casa para outra, e a permanência do Santo e sua comitiva.
A chegada do Santo é sempre um motivo de festa na casa do promesseiro que lhe dará o pernoite. Ela é anunciada pelos instrumentos da comissão e saudada com foguetes, que ocorre geralmente no final da tarde. É usual neste momento os esmoleiros cantarem folias. São cinco as folias obrigatórias executadas todos os dias: folia da Chegada (cantada quando a comitiva chega para o pernoite), folia da Ave Maria (cantada às 18 horas), folia de Agradecimento à mesa (cantada após o jantar), folia da Alvorada (cantada às 05 horas da manhã) e folia da Despedida (cantada na saída da casa do promesseiro).
Essas folias são entoadas em três vozes (voz principal, contra-alto e baixo), segundo denominação utilizada pelos cantadores. O ritmo assemelha-se à Roda, música dançada pelas marujas no barracão ao iniciar as festividades e os rituais da dança.
Uma característica peculiar do condutor (a) do Santo, que geralmente e o dono ou a dona da casa, é colocação de uma toalha branca no ombro, para evitar o contato do corpo com a imagem. O cortejo de entrega da Imagem é feita na seguinte ordem: na frente vão bandeireiros, seguidos pela promesseira acompanhada do encarregado e por últimos os foliões.
O ritual mais importante da Esmolação é a Ladainha, rezada numa espécie de latim arcaico aprendido de geração em geração (chamado por alguns teóricos de latim caboclo, devido à predominância desse idioma nas celebrações religiosas dos séculos XVIII e XIX). No passado a ladainha era toda em latim, por ser a língua oficial da Igreja Católica Apostólica Romana, passava a ter poderes extraordinários para evocação ou chamamento do sagrado. A forma deste latim foi se modificando com o passar do tempo e hoje já contém muitas palavras em língua portuguesa. O ritual da reza se caracteriza por ser predominantemente noturno e por ser um dos pontos altos da Esmolação. Todos esperam ansiosos por este momento, pois a presença do Santo e sua comissão quebram a rotina da comunidade e da casa, sendo um momento de encontro e renovação da fé.
Ao cair da noite, o som dos tambores convoca os devotos para participar da reza. A sala principal da casa do promesseiro, onde é montado o altar do Santo, fica pequena para a louvação ao Santo Preto. Os esmoleiros dão início ao ritual, fazendo cantorias em louvação a São Benedito. Após a louvação, o encarregado e os foliões vestem opas (espécie de “beca”, ou blusa, usada durante a ladainha e quando a Imagem chega à casa do promesseiro) e inicia-se a ladainha. Encerra-se o ritual com o beijo na fita do Santo, a começar pelo encarregado, que se ajoelha diante da imagem e com a mão direita segura a fita que está ligada ao Santo e a beija, benzendo-se em seguida. Estes gestos são repetidos por todos os presentes.
É importante ressaltar que este ritual repete-se em todos os momentos de aproximação do devoto à imagem de São Benedito, este gesto traduz o respeito e obediência, como se o devoto estivesse beijando a mão do próprio Santo.
No serviço de visitas aos devotos, os esmoleiros levam em média 15 dias em cada comunidade. Além de recolher os donativos das promessas, o ritual da visitação tem por finalidade o registro dos relatos dos milagres para fomentar a força do catolicismo popular com a reza da ladainha. É obrigação do promesseiro responsável pela acolhida da comissão oferecer abrigo para todos e alimentação durante a permanência do Santo na casa.
A partida da comitiva é realizada com muita emoção. A dona ou dono da casa leva o Santo ao seu novo abrigo, que pode ser no mesmo povoado ou em local distante. O encarregado decide se a partida será feita pela manhã ou à tarde. Os grupos percorrem localidades e municípios até mesmo de outros estados, como o Maranhão, por exemplo, onde existe uma grande devoção a São Benedito.
Em se tratando das representações e imagens, cada comitiva leva uma imagem distinta, sendo que em duas delas não possuem o talho do Menino Jesus no colo de São Benedito. A imagem de São Benedito da Praia – a mais antiga, segundo tradição oral – aparenta ser maior que as demais.
Imagens: Acervo pessoal (Prof. Dário Benedito Rodrigues), 2011.
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