sexta-feira, 24 de junho de 2011

Antônio, João e Pedro anunciam a alegria (por Jane Beltrão, Jornal Beira do Rio, da UFPA)

por Jane Felipe Beltrão /Junho 2011
foto Karol Khaled

A fogueira tá queimando, em homenagem a São João, o forró já começou, vamos, gente, rapapé neste salão ... assim João fogueteiro chamava a criançada para iniciar as festanças juninas, ao som de Gonzagão. Belém era diferente ... pense numa cidade dos anos 60 do século passado, poucas eram as ruas calçadas, portanto, muitas eram as fogueiras que ardiam em homenagem a Antônio, que abria as festas de 12 para 13 de junho. O arraial era grande, afinal, os namorados, os casados e, sobretudo, os casadoiros se comprometiam em festas e promessas para conseguir parceiros ou conservar almas gêmeas.

O "pobre" Antônio podia ficar dias amarrado, às vezes, de rosto para a parede até que o promesseiro alcançasse o milagre, o qual podia ser impossível. As soleiras das casas se iluminavam, cadeiras em roda para permitir conforto aos mais velhos e aos convidados, a criançada em polvorosa a "soltar foguetinhos" (estalinhos e fósforos coloridos eram permitidos), rojões e pistolas ficavam por conta do fogueteiro. Risos por todo lado, baião, xote, forró e a famosa quadrilha completavam os ruidosos festejos.

Marcada por Gonzagão e "sua gente", permitia dança Joaquim com Isabé, Luiz com Iaiá, dança Janjão com Raqué e eu com Sinhá, traz a cachaça, Mané, eu quero vê, quero vê páia [palha] voar. O sotaque evitando os "erres" e acentuados lembrando o francês (aquele que se diz ser de Cametá, como anunciam os marcadores, ainda hoje), fazia parte da tradição.

Desde maio, a moçada se preparava, comprava tecidos especiais, em florão de chita ou em xadrez de quadrilha. As saias eram rodadas e às vestes se costuravam, em retalhos, os supostos remendos às roupas recém-confeccionadas. Os cavalheiros tinham as barras das calças suspensas e muitos retalhos, em bandeirinhas – tal qual os enfeites em papel de seda, espalhados em cordel pelo salão – eram cuidadosamente costuradas às calças que se completavam com camisas de xadrez. As vestes facilitavam a inversão de papéis, homens vestindo saia e mulheres em calças, era farra bem marcada pelos diversos "Joãos" que se esmeravam em anunciar os passos da dança, sempre solicitando o belo balancê, afinal, o show era ver as saias rodando.

Para além das danças, muita comida! Mingau de milho, canjica, pamonha, aluá, bolo de macaxeira e de tapioca, paçoca de gergelim, cocadas para os que gostam de adoçar a boca; para os que gostam de salgados, vatapá, caruru, tacacá e, como festa precisa ser quente, cachaça de Abaté de dois em dois dedos, fazendo a alegria de todos.

Passou Antônio, chega João, de 23 para 24 de junho, santo que, na hierarquia da Igreja, é primaz, tanto que as festas eram joaninas e transformaram-se em juninas. Na sequência, Pedro, de 28 para 29 de junho, e, finalmente, de 29 para 30 de junho, encerrando o ciclo, chega São Marçal. As fogueiras de encerramento eram feitas com paneiros e daí, só no ano seguinte.

Mas, nem só de quadrilhas se fazia a tradição, os pássaros eram/são o forte do Pará! De nomes engraçados, os grupos de pássaros percorriam a rua em busca de alguém que pagasse a comédia e oferecesse dois dedos da branquinha de Abaeté e de Igarapé-Miri, na melhor tradição de esmolar dos santos da Igreja Católica. Eram solicitados de junho ao final julho, para animar as férias da criançada e dar descanso aos adultos, pelo menos enquanto o pássaro contava a história do vaqueiro, marido da mulher desejosa, que tantos problemas causou. A confusão era tamanha, a ponto de ter que chamar o pajé para ressuscitar o boi que perdeu a língua (desejada pela mulher do vaqueiro) e era requerido vivo pelo dono. O momento era mágico, afinal, roceiros e índios se juntavam solidariamente para enfrentar o patrão.

Hoje, o espetáculo das quadrilhas mudou, mas parece recuperar a longínqua tradição francesa, os passos são rigorosamente coreografados e as vestes rigorosamente iguais, os ensaios começam cedo, afinal, quadrilha que se preza só tem gente que brilha e traz troféu, Viva São João! São Pedro e São Marçal, Santo Antônio, que é o santo casamenteiro, quebra o galho pra eu casar!

Os pássaros lutam por manter a tradição e por se fazer presentes nos concursos, mas as fogueiras não mais ardem, a não ser no coração das crianças de ontem. Hoje, a madeira é enfeite e o fogo se faz de brincadeira, assim como as quermesses que faziam a festa da criançada nas escolas, com casamentos na roça e muitas misses caipiras. As disputas pela festa mais bonita eram acirradas. Muitas escolas construíram espaços de lazer, como quadras de esporte, e compraram fanfarras, que tocavam alegremente por ocasião das festas da Semana da Pátria, com a arrecadação das festas em homenagem aos santos de junho.

Os estudantes vendiam os tijolos em cartelas de bingos e sorteio, até mesmo leilões que se realizavam em meio ao ruído dos rojões dentro de uma tradição que se mantém. Hoje, fogueiras e balões – outra bela tradição junina – não são politicamente corretas e, na cidade, não há espaços adequados para queima de fogueiras, mesmo que a madeira fosse fruto de reflorestamento. Assim, vá ao Jurunas, à Cremação, à Condor e a tantos outros bairros, veja os ensaios e as apresentações de quadrilhas e pássaros, e brilhe com os grupos fazendo a festa, junte-se aos fogueteiros de plantão e cante os versos em louvor a São João! Jane Felipe Beltrão é antropóloga, docente do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFPA e pesquisadora do CNPq.

Link: http://www.ufpa.br/beiradorio/novo/index.php/leia-tambem/1207-antonio-joao-e-pedro-anunciam-a-alegria

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