Religião, política e negócios no Grão-Pará
Por: Vitor Ramon Gemaque
Foto: Manoel Neto
A colonização portuguesa trouxe diversos atores sociais para o Brasil e para o Pará. Além de colonos portugueses, vieram ordens de missionários católicos incumbidos de catequizar os indígenas e, posteriormente, vieram escravos negros da África para transformar a colônia em uma terra produtiva. Entre esses diversos atores, a Companhia de Jesus, cujos membros eram denominados de jesuítas ou inacianos, e o marquês de Pombal foram dois personagens históricos que influenciaram diretamente o processo de colonização no século XVIII.
O conflito entre a Companhia de Jesus e o Estado Português, representado pelo marquês de Pombal, levou ao rompimento das relações entre ambos e à expulsão da Ordem de Portugal e de todos os domínios portugueses em 1759. No Brasil, a expulsão teve início nos Estados do Grão-Pará e Maranhão de onde cinco jesuítas haviam sido expulsos ainda em 1755. A campanha movida por Pombal se espalhou por outros países europeus, como Espanha e França, de onde os jesuítas também foram expulsos, culminando, em 1773, com a extinção da Companhia de Jesus pelo Papa Clemente XIV.
Entender esse processo no cotidiano paraense da segunda metade do século XVIII foi o objetivo de José Alves de Souza Júnior, professor da Faculdade de História da Universidade Federal do Pará (UFPA), em sua Tese Tramas do Cotidiano: religião, política, guerra e negócios no Grão-Pará do setecentos. Um estudo sobre a Companhia de Jesus e a política pombalina. "Meu objetivo era tentar resgatar a atuação dos jesuítas no Grão-Pará, a partir da relação que a Ordem teve com o marquês de Pombal, a qual foi estremecendo a ponto de culminar com a expulsão", explica o professor.
A Companhia de Jesus teve grande influência na Corte Portuguesa nos reinados de Dom João IV e Dom João V. Um exemplo disso é o papel do padre jesuíta João Baptista Carbone, no reinado de João V, como conselheiro e confessor da família real, estando por trás das decisões da Corte.
Jesuítas acumulam patrimônio e ganham independência
A Ordem, que esteve à frente dos aldeamentos ou missões de catequização dos índios, acumulou um expressivo patrimônio material no Grão-Pará, com 448 fazendas, criação de gado, plantações de cacau, salsa e cravo para exportação e empréstimos de dinheiro a juros. Por meio dos aldeamentos, os jesuítas tinham a mão de obra indígena à disposição para todos os seus empreendimentos.
Segundo José Alves Júnior, isso aconteceu porque os jesuítas perceberam que o acordo feito entre a Igreja e o Estado Português para sustentar os padres e as missões de catequese não vingaria. A partir daí, a Companhia organizou o financiamento de seu empreendimento religioso com as riquezas que começou a acumular. "Eles conseguiram formar um expressivo patrimônio e ficaram independentes, tanto da coroa portuguesa quanto do papado", explica o professor.
No processo de colonização, foi constante o conflito entre os diferentes atores sociais que se relacionaram aqui. Jesuítas, colonos e outras ordens católicas disputavam a mão de obra indígena já que só se permitia a escravização dos índios inimigos, também chamados de gentios de corso, os quais não aceitavam a aproximação com os portugueses.
Enquanto os colonos portugueses criavam pretextos para escravizar os índios e usar seu trabalho na produção, os jesuítas pregavam a catequização do índio e a manutenção de sua "liberdade". Por vezes, os ânimos se acirraram devido às denúncias, da Companhia de Jesus, de escravizações ilegais dos índios pelos colonos. "Quanto mais índios estivessem nas mãos dos colonos, menor a possibilidade dos jesuítas concretizarem seu projeto salvacionista", ressalta José Alves.
A crescente resistência indígena foi outro fator importante no cotidiano das lutas na capitania. A união entre tribos inimigas, fugas e a oposição à catequese são exemplos disso.
Pombal extingue poder temporal de religiosos
Ao fugirem dos aldeamentos, os índios organizavam mocambos ou quilombos, onde também se refugiavam negros escravos fugitivos, mestiços e homens brancos, pobres desertores das tropas. Os mocambos tornavam-se espaços de socialização desse grande contingente de despossuídos. Essa nova identidade social – de oprimidos e explorados – está visível nas inúmeras rebeliões, como a Cabanagem.
A subida de Dom José I ao trono de Portugal e a nomeação do marquês de Pombal para a Secretaria da Guerra e de Negócios Estrangeiros reconfiguraram o poder em Portugal e no Grão-Pará. Este é um dos pontos centrais na pesquisa de José Alves. O historiador tenta demonstrar como foi a intervenção da metrópole portuguesa na Amazônia, no século XVIII, principalmente, no período em que Pombal esteve à frente da Secretaria e modificou profundamente as condições de vida e de trabalho de suas populações indígenas.
A nova política, conhecida por pombalina, tinha o objetivo de tornar o Estado laico, reduzindo a influência de religiosos no governo, além de tornar a Amazônia fonte de riqueza para a metrópole e reorganizar a colonização. Pombal criou a Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, proibiu o trabalho escravo indígena e extinguiu o poder temporal dos religiosos nos aldeamentos.
Diante da restrição do poder missionário nos aldeamentos, os jesuítas começaram a sabotar o Projeto Pombalino, dificultando o acesso dos colonos e das autoridades coloniais à mão de obra indígena e criando obstáculos à demarcação dos limites estabelecidos pelo Tratado de Madri, assinado por Espanha e Portugal em 1750.
As dificuldades criadas ao governador do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, provocaram a expulsão dos primeiros jesuítas em 1755. Diante disso, os colonos portugueses se viram livre do maior empecilho à escravização indígena. Sem os missionários, a exploração dos índios aumentou na Amazônia.]
Prêmio Benedito Nunes
A Tese Tramas do Cotidiano ganhou a primeira edição do Prêmio Professor Benedito Nunes, sob a coordenação da Propesp. A premiação é bianual. Podem candidatar-se autores de teses de doutorado defendidas nos programas de pós-graduação dos Institutos de Ciências da Arte (ICA), de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e de Letras e Comunicação (ILC) da UFPA, docentes ou técnico-administrativos que defenderam suas teses em programas de outras universidades reconhecidas pelo MEC, lotados nos institutos mencionados. Para José Alves, ganhar o Prêmio foi “uma grande felicidade”.
Fonte: BEIRA DO RIO. Jornal da Universidade Federal do Pará. Ano XXIV Nº 91, Fevereiro de 2011
Legenda da Foto: Colégio e Igreja de Santo Alexandre foram sede da Companhia de Jesus em Belém.
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