domingo, 7 de novembro de 2010

O que Dilma disse no Jornal Nacional em 1º de novembro?

No dia 1º de novembro de 2010, a presidente eleita Dilma Rousseff fez uma aparição no JN, assistiu reportagens sobre a sua vida, biografia e recebeu homenagens do jornalista William Bonner. A primeira presidente da República assistiu atenta e emocionadamente às reportagens e respondeu as perguntas de William Bonner com muita segurança, fora das pressões da campanha eleitoral e muita mais à vontade do que o perfil de quando era Ministra Chefe da Casa Civil da Presidência da República.

Reportagem sobre o pai de Dilma Rousseff e a Bulgária

Após a primeira reportagem sobre a biografia de seu pai, retirada do Fantástico, feita pelo repórter Marcos Losekan.

Bonner: Eu tenho que perguntar. A senhora já se imaginou chegando à Bulgária como Presidente do Brasil?

Dilma: Olha Bonner, eu tenho a impressão que vai ser assim uma comoção, uma emoção pra mim e acho também que uma emoção para eles porque é um país pequeno. Você imagina nesse país pequeno, a visão do Brasil. O Brasil visto de lá é 190 milhões de pessoas, é um país que está se desenvolvendo, criando emprego, um país que é visto no mundo como uma das grandes oportunidades. Então eu acho que vai ser muito interessante até porque eu acredito que eu sou a única “búlgara” (entre aspas), pra eles, que teve algum sucesso fora da Bulgária.

Bonner: Pelo menos um sucesso desses...

Dilma: Eu não sei falar uma palavra. Vai ser muito difícil.

Bonner: A senhora ainda tem contato com búlgaros até hoje?

Dilma: Olha, eu mantive contato com o meu irmão porque ele, apesar de ser um engenheiro, ele não viva em numa situação confortável. Eles não tem uma estrutura de aposentadoria como a nossa. Então eu sempre mantive (contatos), eu remetia recursos pra ele e tal. Mantive contatos sistemáticos com ele. Depois que ele morreu, com a mulher dele. Aí também ela morreu. Então eu perdi contato agora com ele. Porque eu não tive nunca contato com essa minha prima. Você veja que vocês descobriram alguém da minha família.

Bonner: Marcos Losekan, nosso correspondente.

Dilma: O Marcos Losekan é um investigador.

Bonner: Ele é. Nato. Agora nós vamos pra segunda reportagem preparada, essa preparada especialmente para hoje, em que nós vamos rever um pouquinho do que foi a sua infância. A reportagem dessa vez é da Delis Ortiz.

Reportagem sobre a infância e a biografia de Dilma Rousseff

Bonner: Bom presidente, eu vi uma declaração do seu ex-marido a respeito daqueles tempos de combate à ditadura militar, ele disse que jamais passou pela cabeça de vocês, que um dia, a senhora ou ele, ou quem quer que fosse, pudesse chegar a uma Presidência da República. Como é hoje rever essas cenas e rever essas situações?

Dilma: Eu acho que tudo começa, Bonner... é uma situação que eu te diria assim. Naquela época a gente jamais acreditou também que o Brasil viria se transformar numa grande democracia. Então, a partir do momento em que o Brasil se transformou numa grande democracia, a vida vai levando as pessoas por caminhos insuspeitos. Porque a democracia é uma coisa muito rica. Naquela época que havia o fechamento, a juventude não tinha muita opção. Você não podia se manifestar. Uma peça de teatro, por exemplo, Roda Viva, era considerada subversiva. Uma música como Apesar de Você, do Chico Buarque era tida como absurda. Então os caminhos eram fechados. A ditadura no Brasil abriu os caminhos. Eu acho que a minha geração deve esse momento, em que eu, uma pessoa que foi presa no Brasil... deve esse momento à democracia. E mais do que isso, deve esse momento ao fato do Brasil ter sido capaz de iniciar um processo de transformação dentro da maior legalidade. Coisa que na época, o que nós fazemos hoje, era considerado impensável naquela época. Reajustes salariais, por exemplo, acima do salário mínimo levava a greve e a prisões. Manifestações estudantis, que hoje a gente olha com absoluta tranquilidade, levava a prisões. Então, o mundo foi mudando e eu com o mundo. Eu agradeço a Deus a oportunidade que ele me deu de participar do governo do Presidente Lula. Eu acho que ali começa um grande sonho da minha geração, que era que o Brasil crescesse e ao mesmo tempo distribuísse renda, que o Brasil crescesse e ao mesmo tempo milhões de pessoas fossem retiradas da pobreza. E aí, o que eu tenho como missão daqui pra frente é justamente continuar esse processo dentro da legalidade, do fortalecimento da democracia, da liberdade de imprensa, continuar esse processo de transformação do Brasil e de estabilidade, porque também nós conquistamos isso. Porque teve logo no início da democracia, um período que a gente tinha herdado também do final da ditadura, que era inflação alta, dívida externa explodindo e hoje nós somos um país que tem todas as chances de se transformar.

Bonner: Desde 94, é... tem uma geração aí de brasileiros que não sabe o que era aquela inflação que nós vivemos.

Dilma: Não sabe.

Bonner: Exatamente, desde o advento do Plano Real. Vamos seguir vendo as reportagens que nós temos pra mostrar. Aqui, agora, a gente vai ver o próximo capítulo.

Dilma: O próximo capítulo. É uma novela... (risos)

Bonner: O próximo capítulo é com a... É quase isso. Bom, poderia ser uma novela de grande sucesso, no seu caso, eleita presidente da República... (risos). Vamos lá, a reportagem é da Cláudia Bontempo.

Reportagem sobre trabalho e funções exercidas por Dilma Rousseff

Bonner: Bom, essa pergunta agora a gente vai querer que a Fátima Bernardes faça lá do estúdio do Jornal Nacional. Fátima...

Fátima: Boa noite, Presidente. Parabéns pela vitória. Eu queria voltar a esse momento, que a gente viu no fim da reportagem, da “Mãe do PAC” (referindo-se ao Programa de Aceleração do Crescimento), momento que a sua candidatura foi decidida. Como é que a senhora recebeu essa indicação do presidente Lula pra disputar a eleição? Foi com surpresa? Ele teve muito trabalho pra convencê-la? Ou na verdade já era um desejo daqueles que a gente esconde até da gente mesmo?

Dilma: Olha Fátima, sendo assim muito honesta contigo. Eu nunca imaginei ser Presidente da República. Eu sempre fui uma servidora pública. Acredito que ser servidora pública é uma coisa importante, porque a relação que a gente tem com o Estado não pode ser o Estado nos servindo, mas nós servindo ao Estado e a sociedade. Quando o Presidente começou a dar os sinais que ele queria que eu fosse a sua sucessora, a primeira reação que eu tive foi uma reação de não, de achar que não era muito por ali. E aí, aos poucos eu fui me convencendo. E aí é algo muito interessante, Fátima, é o seguinte: servir ao país, chegar a ser Presidente, é de fato, talvez, um sonho que cada brasileiro esconde lá no fundo da alma, por quê? Porque é a maior realização que uma pessoa pode ter no seu próprio país. Porque é o momento em que você pode provar que você vai de fato dar uma contribuição pros milhões de brasileiros e brasileiras que compartilham comigo essa, eu diria assim, aventura histórica pelos brasileiros no ano de 2011 e de sermos capazes de dar aquele salto que a gente espera que o Brasil dê. Então eu quero te dizer o seguinte: apesar de no início eu não ser uma pessoa que estava direcionada pra isso, eu quero te dizer que hoje eu sou uma pessoa certa de que eu vou fazer o melhor que eu puder e quando eu tiver feito o melhor, eu vou fazer ainda um pouco mais pra que o Brasil siga se transformando numa grande economia, numa grande sociedade e de fato numa nação plenamente desenvolvida.

Bonner: Bom, vamos prosseguir. Agora esse seria o capítulo final das reportagens preparadas. E a gente vai ver o que é que tem de histórico na sua eleição, o que nós dissemos desde o início dessa edição do Jornal Nacional. E a reportagem é da Cristina Serra, que a gente tem agora.

Reportagem sobre Dilma Rousseff no Governo Lula, desafios e a campanha

Bonner: A notícia da sua vitória oficial saiu eram 08h07 (20h07, pelo horário de Brasília) da noite de ontem (31.10.2011). O que é que lhe veio à cabeça naquela hora? (Dilma ficou em silêncio). Eita... pergunta difícil... essa foi a mais difícil.

Dilma: Sabe por que ela é difícil? Porque na hora em que lhe vem a notícia, você está assim um pouco anestesiado. E aí é preciso que o tempo passe pra que você absorva todo o impacto duma notícia desse tamanho. Que é uma notícia com a grandeza do Brasil porque não é uma notícia qualquer. É uma notícia assim: daqui pra frente você vai ser responsável por esse país continental imenso e por 190 milhões.

Bonner: Chorou?

Dilma: Eu chorei depois. Eu fui chorando aos poucos. Eu não chorei assim de uma vez só. Eu chorei lá quando eu falei, eu chorei um pouco. Depois eu chorei chegando em casa, bastante.

Bonner: E quase chorou ao se referir ao Presidente Lula?

Dilma: Foi. Ali eu chorei. O pessoal disse que eu me contive, não, eu chorei por dentro e por fora um pouco.

Bonner: Fátima Bernardes, diga.

Fátima: Presidente, agora terminado esse processo desgastante, esse processo eleitoral, a senhora vai começar a trabalhar na composição do novo governo e na formação do seu ministério. A senhora pode dizer pra gente como é que vai ser esse processo a partir de agora? Quer dizer, já começa já?

Dilma: Olha, Fátima, nós vamos fazer primeiro uma transição de dois tipos. Uma transição técnica, ou seja, avaliando todos os aspectos técnicos que serão importantes que a gente tome providências no sentido de serem aqueles que a gente vai encaminhar primeiro. Por exemplo, eu pretendo nos primeiros dias fazer uma reunião com os governadores sobre saúde e segurança. E em seguida, ou paralelamente, melhor dizendo, nós também faremos uma transição política. Nós vamos ter de ver uma composição do governo, que tem esses dois aspectos. Eu vou me esmerar para ter um governo em que o critério de escolha dos ministros e dos cargos da alta administração sejam providos por esses dois critérios...

Bonner: Tem nome certo?

Dilma. Não, não tenho ainda nome certo. E eu pretendo ter um processo, eu não digo que eu vou anunciar um bloco inteiro todo o governo, mas eu pretendo não fazer anúncios...

Bonner: Fragmentados...

Dilma: Fragmentados, espalhados ou individualizados, fazer por blocos.

Bonner: Agora, Presidente, em relação à economia. No mundo hoje, quando se fala em economia, o planeta inteiro está discutindo a questão cambial, a desvalorização do dólar, a valorização de moedas locais. Qual é a sua posição a respeito disso?

Dilma: Bem, eu acredito que a gente não pode correr o risco de querer menosprezar ou, eu te diria assim, eu acho que o câmbio é flutuante. No entanto, indícios de que há hoje no mundo uma guerra cambial são muito fortes. Eu acho que tem moedas subvalorizadas. Então, eu acredito que uma das coisas importantes são as reuniões multilaterais em que fique claro que nós, por exemplo, iremos usar de todas as armas pra impedir o dumping, política de preço que prejudique as indústrias brasileiras. E vou olhar com muito cuidado, porque não acredito que manipular câmbio resolva coisa alguma. Nós temos uma péssima experiência disso.

Bonner: Manipular câmbio pelas mãos do Governo?

Dilma: É... pelas mãos do governo, no Banco Central. Você lembra do câmbio fixo. O que é que ele levou a Argentina e quase nos levou também? A uma situação de crise muito grande.

Bonner: Então a senhora está dizendo é que qualquer modificação que virá não será no sentido de acabar com o câmbio flutuante?

Dilma: Não, de maneira alguma. Eu tenho um compromisso. Muito boa a sua pergunta, que me permite esclarecer. Eu tenho um compromisso forte com a questão dos pilares da estabilidade macroeconômica. Um câmbio flutuante, nós temos hoje uma quantidade de reservas que permite que a gente, inclusive, se proteja em relação a qualquer tipo de guerra ou manipulação internacional (referindo-se à economia). Mas eu acredito também, Bonner, que nós iremos passar por um momento em que o mundo vai estar com um nível de crescimento menor. Hoje, inclusive, o Presidente Obama (referindo-se à Barack Obama, Presidente dos Estados Unidos da América) me cumprimentou e externou a preocupação dele com as taxas de desemprego nos Estados Unidos. Ele, bastante preocupado com a economia americana no que se refere à sua recuperação. Agora acredito que também o ajuste das economias internacionais não podem ser feitos com base em desvalorizações competitivas, em que você tenta ganhar o seu ajuste nas costas do resto do mundo. Também não está certo isso.

Bonner: Presidente, deixa eu lhe dizer uma coisa. Primeiro, mais uma vez, quero agradecer a sua presença aqui, em nome de todos os profissionais da Rede Globo e em nome do público. Isso aqui é certamente uma deferência. Segundo, a senhora disse ontem e repetiu aqui durante esta entrevista a sua defesa, fez uma defesa pela liberdade de imprensa. Nós aqui estamos entendendo a sua presença no Jornal Nacional como uma demonstração enfática disso. E queremos dizer que nós da imprensa aguardamos diversas oportunidades como essa. Tá certo. Talvez não precise nem vir até aqui, mas que nos abra essa oportunidade de uma conversa franca porque faz parte da democracia que a senhora mesma defendeu...

Dilma: Faz parte da democracia e eu acho que o Brasil pode dar uma demonstração de muita vitalidade com a imprensa livre que nós temos e com essa relação, enfim, muitas vezes as críticas existem e eu acredito que elas cumprem um papel no Brasil. E pode ter certeza que da minha parte, a minha relação com a imprensa vai ser sempre uma relação respeitosa.

Bonner: Muito obrigado mais uma vez. Foi um prazer entrevistá-la sem ter que interrompê-la e dizer que o tempo estava esgotado...

Dilma: Que bom...

Bonner: Agora o meu tempo está esgotado. Estão gritando aqui comigo. Obrigado mais uma vez. Boa noite a todos. Boa noite, Fátima.

Dilma: Obrigado...

Finalização da entrevista.

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