quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Notas sobre a imagem de Nossa Senhora do Rosário de Bragança, Pará

Imagem 01: Imagem de Nossa Senhora do Rosário (2025). 

Fonte: Acervo pessoal.

  

         No Brasil, a devoção a Nossa Senhora do Rosário remete-se à criação de irmandades, construção de igrejas e de festividades desde o século XVI, com grande crescimento no século posterior. Junto à devoção mariana do Rosário, estava junto a devoção a São Benedito, cuja trajetória se ligava aos negros escravizados, livres e libertos que buscavam alívio aos sofrimentos daquele contexto.

         Não se tem documentos que detalhem a primeira imagem de Nossa Senhora do Rosário que ficava em sua primeira igreja (em frente ao rio Caeté). Acredita-se que teria sido uma imagem menor e mais simples, sem tantos detalhamentos e riqueza de detalhes como os recursos técnicos do século XIX.

         A imagem de Nossa Senhora do Rosário, entalhada em madeira maciça e em policromia, guardada no complexo formado pela Catedral de Nossa Senhora do Rosário e Museu de Arte Sacra Nossa Senhora do Rosário provavelmente remonta à ocasião da finalização da construção do templo (iniciado em 18 de julho de 1869), que foi feito para ser a Igreja de São Benedito e objeto de permuta em 18 de novembro de 1872. Tem aspecto longilíneo, de uma figura feminina de estatura elevada, com pescoço alongado, tórax afilado e braços alongados, provavelmente da metade do século XIX e de origem francesa.

         A estátua da Virgem do Rosário era venerada ao centro do primeiro altar da Igreja Matriz (no início do século XX), ao lado de Santa Ana e de São José. Caso notório está na edição n.º 38 do jornal bragantino O Progresso, de 21 de outubro de 1923, página 5, que apresentou a matéria que descreveu o roubo da coroa dessa imagem de Nossa Senhora do Rosário. Talvez por esse motivo a peça tenha recebido adornos posteriores em forma de tiara (ou pequena coroa) com estrelas na sua parte frontal. Anos mais tarde, Benedito Cézar Pereira recuperou e registrou da tradição oral que a coroa de Nossa Senhora era em ouço maciço com ilustrações em pedras preciosas, fruto de uma promessa de uma senhora de engenho do século XIX.

         A Festividade de Nossa Senhora do Rosário, organizada por sua irmandade, era muito participada e movimentada, porém a partir da administração da paróquia (Igreja Matriz) pelos padres Barnabitas, pelo número reduzido desses sacerdotes e pela realização do Círio de Nossa Senhora de Nazaré, em Belém, no mês de outubro, no final da década de 1940 a festa da padroeira de Bragança foi sendo desarticulada e teve seu fim anos mais tarde, bem como a sua irmandade. A festividade só foi retomada nos anos 2000.

         No interior da Igreja Matriz, após a modificação central do presbitério, provavelmente entre o final da década de 1960 e início dos anos de 1970, que introduziu elementos modernos, com um novo sacrário e outro altar, a imagem de Nossa Senhora do Rosário passou a ocupar o lugar central, colocada num suporte em cimento no semicírculo ao fundo do presbitério, acima do sacrário e da cruz.

         Esta imagem de Nossa Senhora do Rosário apresenta características de iconografia semelhantes à maioria dos títulos e invocações modernas da Virgem Maria, diferente das invocações antigas. Nossa Senhora está de pé com o Menino Jesus acomodado em seu braço esquerdo, sobre o seu manto. A peça não tem um autor conhecido ou registro documental de sua autoria.

         Essa peça foi entalhada em madeira e em policromia, com 1 metro e 42 centímetros de altura da base até a coroa, 41 centímetros de largura e 47 centímetros de profundidade. Sua estrutura atual foi alterada no final da década de 1990, quando se modificou a posição do olhar do Menino Jesus que estava voltado para Maria e se colocou de frente. Esse trabalho começou no tempo em que foram feitas as obras que pela terceira vez modificaram a parte interna da Catedral, quando se notou na imagem em madeira a perigosa infestação por cupins.

 

Imagem 02Imagem de Nossa Senhora do Rosário (déc. 1980).

Fonte: Anuário da Diocese de Bragança.

 

         Ela foi levada ao prédio do Centro de Educação Profissional do SENAI pelo Prof. Benedito Lázaro Rodrigues, então diretor da unidade. Lá foi colocada em uma redoma de vidro, quando foram aplicadas cápsulas de cupinicidas, revelando uma crescente e perigosa infestação por estes insetos. Segundo relatos orais, a imagem abriu-se na parte de trás, de cima até abaixo, gerando grande preocupação. O então Padre Carlo Verzeletti, hoje bispo de Santa Maria Mãe de Deus, Diocese de Castanhal, liderou o trabalho de restauração pela Diocese de Bragança.

         No meio do processo de restauro, a imagem foi levada ao Ginásio do Instituto Santa Teresinha, hoje Complexo Poliesportivo Dom Eliseu Maria Coroli, na solene celebração do Jubileu do ano 2000, de dois mil anos da encarnação e nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo. A imagem ainda em restauro recebeu efusivo aplauso ao adentrar o ginásio.

         Primeiramente foram removidos os insetos e feita a raspagem da pintura conhecida que recobria a imagem, em tons mais leves. Foi feito a troca da posição da cabeça de Jesus, voltando-a para a frente. A túnica que cobre o corpo da Virgem foi esgrafiada ricamente em ornamentos dourados com motivos florais. O acabamento de borda do manto foi ornamentado na cor verde por sobre o dourado, em contornos livres, destinando-se à decoração da peça.

         Sob os pés da imagem está uma cúpula redonda pintada como nuvem em tons de azul, esgrafiada em linhas concêntricas, onde encontram-se olhando para cima, dois anjos com proporções e características físicas semelhantes. Antes do restauro dos anos de 1990 a 2000, os anjos possuíam mesma tez de pele. Depois daquela restauração, o anjo da direita passou a ter a cor negra, provavelmente para simbolizar a proximidade da devoção do Rosário entre os negros escravizados no Brasil, um dos motivos principais de sua popularidade no território brasileiro. Um está em carnação europeia, o outro em carnação negra. Ambos possuem cabelos em tons escuros, semelhantes aos de Nossa Senhora e rostos de traço arredondado como o da Virgem, bem como os olhos claros pintados. O anjo à esquerda carrega um brasão com a inscrição em latim MATER DEI, ou Mãe de Deus em português. Já o anjo à direita, carrega um brasão onde se lê em latim IMMACVLATA, ou Imaculada em português.

 

Imagem 03Imagem de Nossa Senhora do Rosário (2011).

Fonte: Acervo pessoal.

 

         O Menino Jesus, dos braços da Virgem, possui detalhes semelhantes à Maria, com cabelos castanho escuro, pele clara e com os braços abertos e mãos estendidas para receber o Rosário. A peça não possui vestes sobressalentes, exceto o tecido na cor dourada, com forma semelhante ao usado sobre a cabeça de Nossa Senhora. Encontra-se sobre o braço da Virgem, que o envolve.

         Esta imagem tem um panejamento (conjunto de panos que a veste) de movimento bastante notável, com tecidos avolumados, deitados sobre uma túnica, coberta desde os ombros por um mantelete usado sobre a cabeça e que recebe uma coroa. O rosto da Virgem volta-se levemente para baixo e para o lado, para a mão de Jesus que recebe o Rosário, o braço esquerdo do Menino Jesus. Nossa Senhora do Rosário assenta-se sobre uma peanha escalonada simples, na cor preta e em formato retangular em sua base.

         De acordo com antigas tradições, em relação ao aspecto cromático, o véu branco significa a pureza do coração de Maria e das virtudes presentes na vida de Nossa Senhora. A túnica vermelha simboliza os mistérios dolorosos, parte da oração do terço (ou do Rosário). O manto azul, depois todo enriquecido com a cor dourada simboliza o céu, já que o Rosário é uma oração que nos eleva à procura do céu, da santidade. Hoje dourada, a pequena veste levemente em róseo do Menino Jesus simboliza a alegria dos mistérios gozosos. E as nuvens abaixo da imagem simbolizam os mistérios gloriosos, nos quais contemplamos a glória de Jesus Cristo, nosso Senhor e filho de Maria.

         Ao lado direito da imagem, vista de frente, existe a inscrição gravada sob os pés da imagem, onde se lê a inscrição POTET NANTEG FRANCE, que possivelmente pode indicar o local de sua confecção.

 

Imagem 04Vistoria da imagem no Museu de Arte Sacra (2011).

Fonte: Acervo pessoal.

 

         Em 28 de junho de 2011, a equipe composta pelo Padre Gerenaldo Messias, o Prof. Benedito Lázaro Rodrigues e Prof. Dário Benedito Rodrigues acompanharam a restauradora Renata Maués, que atualmente lidera a Coordenação de Preservação, Conservação e Restauração (CPCR), do Sistema Integrado de Museus e Memoriais (SIMM), num levantamento minucioso dos danos da imagem, registrado num acervo fotográfico. Esse levantamento apontou diversos problemas no período após as intervenções do restauro da década de 1990.

         Por iniciativa da Paróquia de Nossa Senhora do Rosário, sob a coordenação do Padre Raimundo Elias de Sousa, pároco da Catedral, a imagem teve seu restauro iniciado em 21 de agosto de 2023, com recursos financiados por edital de lei federal, cuja recuperação e restauração estiveram sob os trabalhos da renomada restauradora Tânia Veloso, em Belém (PA). Alguns detalhes do processo estão publicados e descritos nas redes sociais do Museu de Arte Sacra Nossa Senhora do Rosário.

         A imagem de Nossa Senhora do Rosário passou por mais de dois anos de restauração e no dia 07 de outubro passado, dia da festa da padroeira de Bragança e da celebração do Jubileu Diocesano, foi apresentada de volta aos seus devotos e à comunidade bragantina. Uma descrição dos trabalhos foi apresentada ao final da celebração, detalhando o que foi empreendido na restauração. As características mais atuais da imagem, após as mudanças da década de 1990 foram mantidas e elogiadas pelos fiéis católicos bragantinos.

 

Imagem 05: Imagem de Nossa Senhora do Rosário na Catedral (2025).

Fonte: Acervo pessoal.

 

Dário Benedito Rodrigues é bragantino, historiador e professor da Faculdade de História, da Universidade Federal do Pará em Bragança.

Observação importante: Qualquer utilização desse material sem a prévia consulta ao autor não está autorizada e se constitui em crime sujeito às penalidades da legislação brasileira.

 

Referências Bibliográficas:

ANUÁRIO DA DIOCESE DE BRAGANÇA. Diocese de Bragança do Pará, 1990.

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DUCHER, Robert. Características dos estilos. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes. 2001.

DICIONÁRIO DAS RELIGIÕES. Mircea Eliade, Ioan Couliano, com a colaboração de H. S. Wiesner. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes. 1999.

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PASTRO, Cláudio. Arte sacra: o espaço sagrado hoje. São Paulo: Edições Loyola; Casa São Luxas, 1993.

RAMOS, Dom Alberto Gaudêncio. Cronologia Eclesiástica do Pará. Belém: Falangola Editora, 1985.

Relatos orais de Benedito Lázaro Rodrigues. (1944-2021).