Celebramos hoje com alegria e
com fieis de toda a Igreja Católica os 500 anos de nascimento de São
Benedito, o Mouro ou o Africano (assim chamado por sua cor da pele),
pertencente à Ordem dos Frades Menores Capuchinhos (OFM Cap). É conhecido na
Europa como São Benedito de Palermo e é aqui festivamente celebrado como São
Benedito de Bragança, o santo de maior devoção do povo desta cidade na Amazônia
paraense.
Foto 01:
São Benedito no altar-mor de sua Igreja em Bragança (2021). Fonte:
Dário Benedito Rodrigues.
A data de 31
de março de 1524, considerada a de nascimento de São Benedito é uma
versão aceita verdadeiramente pelos Frades Capuchinhos e presente no texto da bula de canonização de São Benedito, datada de 24 de maio de 1807.
Neste documento há uma referência
ao ano de 1526 como sendo o de seu nascimento, porém, a mesma bula justificou essa
nota por problemas de pesquisa no tempo da escrita do documento e solicitou outros
estudos sobre o fato. Também existe uma placa escrita em italiano na porta de uma cela
no Convento de Santa Maria de Jesus com as datas de 1524 e 1589, indicando o
local de habitação de São Benedito e em referência aos anos de seu nascimento e falecimento.
Uma informação referencial de seu documento de canonização dá conta de que sua
certidão de bastismo não foi encontrada, o que dificulta ainda mais a certeza
da data.
Foto 02 e 03: Detalhes da cela de São Benedito no Convento de Santa Maria de Jesus. Fonte:
Pesquisa na internet (2024).
Benedito nasceu em São
Fratello, cidade da Província de Messina, localidade próxima à Santa Maria de Jesus,
subúrbio de Palermo, na Itália, local homônio ao convento onde morou e que guardava seu corpo, antes do
incêndio que quase o consumiu por completo em 25 de julho de 2023.
Foto 04:
Restos mortais de São Benedito consumidos pelo fogo na Igreja de Santa Maria de
Jesus. Fonte:
Pesquisa na internet (2023).
Era filho de escravizados
africanos de origem etíope e deve ter sido libertado no momento do nascimento,
por ser o primeiro filho de Cristóvão Manasseri e Diana Larcan. Suas duas irmãs
e seu irmão permaneceram escravizados. Benedito ajudou seu pai no cuidado de
gado e no cultivo do campo.
Foi irmão leigo na ordem
franciscana, com vocação eremítica, com fama de santidade em vida e com
inúmeras narrativas de ser taumaturgo. Os biógrafos de São Benedito admitem a
profunda religiosidade católica de seus pais e sua estreita observância à fé
cristã, o que teria inspirado a vocação de Benedito.
Aos 18 anos, decidiu viver a
vocação religiosa e aos 21 foi ser eremita, já tendo professado seus votos de
pobreza, castidade e obediência, junto a Jerônimo Lanza, com quem conviveu por
muito tempo, na região montanhosa de Santa Domênica, arredores de São Fratello,
depois em Mancusa e por último no monte Pellegrino, próximo a Palermo. Segundo algumas
narrativas, essas mudanças de lugares de moradia se devem em parte à procura por
cura e milagres e por conta da fama de santidade de Benedito.
Cumprindo decisões da Igreja,
foi designado à vida num convento, onde serviu como cozinheiro. Apesar de
analfabeto e negro, após a morte de Lanza, foi eleito em 1583 por seus confrades
como Guardião, função equivalente a de Superior do convento, sendo considerado
um homem de muita sabedoria, piedade e oração. Ao terminar o tempo de mandato,
retornou às funções na cozinha, tendo também trabalhando como porteiro do
Convento de Santa Maria de Jesus.
Foto 05:
Gravura de São Benedito em Palermo, século XVII. Fonte:
Arquivos Históricos Arquidiocesanos de Palermo (pesquisa em 2021).
Benedito era procurado por
muitas pessoas, que desejavam ouvir seus conselhos e que lhe pediam orações e
milagres. Um dos mais recentes hagiógrafos de São Benedito, Dom Stanislaw Lukumwena
Lumbala, hoje bispo emérito de Kole, na República do Congo, o associa à
taumaturgia, com a cura pelo toque das mãos.
Ele morreu em 04 de abril de
1589, data considerada como o dia de sua festa litúrgica. Notas de sua biografia
reunida em alguns sites italianos afirmam que após sua morte e devido à amizade
com o Vice-rei da Sicília, o conde de Alba di Lista, seu túmulo foi reaberto
para que o pudesse visitar.
O mesmo Vice-rei, após a manifestação
de Giandomenico Rubiano, interessado em sua beatificação, conseguiu de Filipe
II a autorização para que seu corpo fosse retirado do cemitério dos frades e
posto em uma sacristia em 04 de maio de 1592. Seu sucessor, o duque de
Escalona, convenceu Filipe III a transferir o corpo de Benedito para o interior
da igreja em 03 de outubro de 1611, tendo recebido do rei 1.500 escudos para a construção
de uma arca de prata para se colocar o corpo. Filipe III ainda escreveu à Santa
Sé e solicitou a abertura do processo de beatificação de Benedito.
Foto 06: Detalhe do interior do Convento de Santa Maria de Jesus, em Palermo. Fonte:
Claudia Salvia (2021).
Este processo iniciado após sua
morte foi interrompido algumas vezes e retomado em 1622, sendo novmente
paralisado em 1625. O povo continou a venerar Benedito como santo, com incentivo
e tolerância dos bispos locais. Em 24 de abril de 1652, o Senado de Palermo
proclamou Benedito como co-padroeiro e intercessor da cidade, mesmo sem a
canonização e realizando anualmente no aniversário de sua morte uma pregrinação
a seu túmulo.
Benedito foi beatificado em 15
de maio de 1743 pelo Papa Bento XIV. O processo de canonização continuou, sendo
que em 1777 suas virtudes heróicas foram reconhecidas pela Igreja Católica. Tendo
seus milagres confirmados finalmente, em 24 de maio de 1807, na Solenidade da
Santíssima Trindade, o Papa Pio VII o proclamou santo, através da Bula Civitatem Sanctam, o primeiro santo
negro da história.
Seu culto público, autorizado pela
Igreja Católica e promovido logo após a sua morte pelos franciscanos, também
serviu em muitos lugares de colonização portuguesa e espanhola como um modelo
de santidade negra para a evangelização de negros escravizados, libertos ou
livres, traficados para o Novo Mundo. Parte desse culto foi vivenciada pela constituição
de irmandades leigas de São Benedito (ou de São Benedito e Nossa Senhora do
Rosário, conjuntamente) com grande concentração desde a primeira metade do
século XVIII. Isso aconteceu em boa parte do território do Brasil.
Foto 07:
Página do 1º Compromisso da Irmandade do Glorioso São Benedito de Bragança
(1798). Fonte:
Acervo Palma Muniz, IGHP.
Essas irmandades, como a de São
Benedito de Bragança (que existiu canonicamente entre 1798 e 1988), são um
exemplo de associativismo, de identidade e pertencimento, que permitiu uma
organização estatutária, a formação de estrutura hierárquica com alguma participação
de negros, o recolhimento de esmolas e ex-votos para alavancar o culto com esmolações
em forma de peregrinação, a construção de templos específicos (como na Vila de
Bragança), a celebração de festividades anuais e alguma forma de assistência à
saúde e acompanhamento cristão no tempo da morte, com a celebração de exéquias
e missas em sufrágio da alma de seus irmãos associados, por exemplo.
O aspecto místico envolvendo a
vida de São Benedito possui narrativas que se equiparam à confecção de suas
imagens e esculturas. Uma dessas narrativas, no site Vatican News, dá conta de
que diante da imagem de Nossa Senhora que se encontra na igreja do Convento de
Santa Maria, ele passava um longo tempo de contemplação e oração e conta-se que
Nossa Senhora lhe oferecia o Menino Jesus para que ele o sustentasse em seu
colo e com ele permanecia em seus braços. A tradição católica da figura de São
Benedito apresenta sua imagem com a do Menino Jesus e suas esculturas em geral se
reportam a esse modelo. A imagem portuguesa de São Benedito do altar-mor da
Igreja de São Benedito em Bragança (PA), possivelmente esculpida no final do século
XVIII e início do século XIX, possui a mesma estrutura.
As celebrações pelos 500 anos de nascimento de São Benedito iniciaram em Palermo em 03 de janeiro passado, para um triênio de comemoração desse quinto
centenário a ser rememorado entre os anos de 2024 e 2026, por
conta das versões para sua data natalícia.
Foto 08:
Dança da Marujada de São Benedito de Bragança. Fonte:
Ana Mokarzel.
São Benedito é celebrado mundialmente em 04
de abril, dia de sua morte, porém no Brasil, por uma especial deferência canônica da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) é celebrado no dia 05 de outubro.
A tradição religiosa e cultural
bragantina e mantida por muitos anos pela comunidade católica preserva uma festividade
com muitas cores, sons, comensalidades e que se juntam à Marujada de São
Benedito e a eventos de dança, reza, almoços, novenas, missas e a solene
procissão de 26 de dezembro, dia de festa na cidade, que a partir dessas
características tão especiais e singulares possui certamente a maior festa de
São Benedito do mundo católico.
Foto 09:
Andor de São Benedito em Bragança, em 1982. Fonte:
Dário Benedito Rodrigues.
A manifestação de festas em devoção
a São Benedito e a realização da Marujada em Bragança e na Região Bragantina foram
estudadas por uma equipe de pesquisadores da Faculdade de História da UFPA
Bragança, cujos documentos estão encaminhados ao Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) com o propósito de em breve tornar a
celebração Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil.
Foto 10: Logomarca do Jubileu de 500 anos de São Benedito. Fonte: Conselho Nacional das Irmandades de São Benedito (CONISB).
Oração do Jubileu dos 500 anos do nascimento de São
Benedito
Ó São Benedito, flor da
Etiópia, lírio transplantado para a terra da Sicília, tu que amaste o Cristo
Crucificado e a sua Mãe Santíssima, de quem recebeste nos braços o Divino
Menino e obtiveste numerosos milagres.
Tu, seguidor de Francisco de
Assis, ofereceste um exemplo brilhante aos jovens.
Tu que soubeste interpretar as
Sagradas Escrituras, esquadrinhar o coração dos homens, ouve a nossa oração,
que o povo fiel te dirige depois de quinhentos anos do teu
nascimento.
Ao mundo ainda escravo do
pecado, aos homens divididos pela cor da pele, às nações sem paz, obtém o
perdão, o bem e a paz de Jesus, da Virgem Maria e de São Francisco, para que os
homens se amem como irmãos, como filhos de Deus, não se odeiem, como seguidores
de Francisco de Assis cantem o hino do amor universal.
Dá saúde aos doentes, conforto
aos aflitos, apoio aos pobres, numerosas vocações à vida cristã, e à Igreja o
triunfo da Verdade do Evangelho. Amém.
+ Dom Orani João Cardeal Tempesta, O. Cist. Arcebispo
da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro. com aprovação
eclesiástica
Foto 11: Anúncio dos 500 anos de São Benedito. Fonte:
Paróquia de Santa Maria de Jesus (2024).
Referências
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https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/10/05/sao-benedito-de-religioso-discriminado-por-ser-negro-a-santo-que-nao-deixa-faltar-comida-em-casa.ghtml
https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2023/08/01/restos-mortais-de-sao-benedito-sao-destruidos-apos-incendio-em-igreja-italiana-video.ghtml
https://pt.wikipedia.org/wiki/Benedito,_o_Mouro
*
Dário Benedito Rodrigues é
bragantino, historiador e professor da Faculdade de História da UFPA, Campus de Bragança.
*
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